A 9 de outubro de 2022, uma fulguração de intensa radiação varreu o Sistema Solar de forma tão extraordinária que os astrónomos rapidamente a consideraram a mais brilhante de todos os tempos (dando-lhe o acrónimo BOAT – Brightest Of All Time).

A origem foi uma explosão de raios gama (GRB – Gamma-Ray Burst), a classe mais poderosa de explosões do Universo.

A Wide Field Camera 3 do Telescópio Espacial Hubble revelou o brilho residual infravermelho (círculo vermelho) da GRB BOAT e da sua galáxia hospedeira, visto quase de lado como uma banda de luz que se estende para o canto superior direito da explosão. Esta composição integra imagens obtidas a 8 de novembro e 4 de dezembro de 2022, um e dois meses após a erupção. A imagem combina três imagens de infravermelho próximo tiradas em cada dia em comprimentos de onda de 1 a 1,5 mícron. Crédito: NASA, ESA, CSA, STScI, A. Levan (Radboud University); Image Processing: Gladys Kober.

A explosão acionou detetores em várias sondas espaciais e foi acompanhada por observatórios em todo o mundo. Após a análise de todos os dados obtidos, os astrónomos podem agora caracterizar a intensidade do brilho da explosão e compreender melhor o seu impacto científico. “GRB 221009A foi provavelmente a mais brilhante explosão de raios-X e raios gama ocorrida desde o início da civilização humana”, disse Eric Burns, professor assistente de Física e Astronomia na Louisiana State University em Baton Rouge. Burns dirigiu uma análise de cerca de 7000 GRBs – a maioria detetada pelo Telescópio Espacial Fermi de Raios Gama, da NASA, e pelo instrumento russo KONUS no satélite Wind da NASA – para estabelecer a frequência com que eventos assim tão brilhantes podem ocorrer. A resposta foi: uma vez em cada 10.000 anos.

A explosão foi tão brilhante que ofuscou a maioria dos instrumentos espaciais de raios gama, o que implicou que eles não pudessem registar diretamente a intensidade real da emissão. Cientistas americanos conseguiram, porém, reconstruir estas informações a partir dos dados do Fermi. Compararam os resultados com os da equipa russa a trabalhar em dados do KONUS e com os de equipas chinesas que analisaram observações do detetor GECAM-C, no satélite SATech-01, e de instrumentos no observatório Insight-HXMT. Em conjunto, provaram que a explosão foi 70 vezes mais brilhante do que qualquer outra observada anteriormente.

Burns e outros cientistas apresentaram as novas descobertas sobre a BOAT no encontro da Divisão de Astrofísica de Alta Energia da American Astronomical Society, em Waikoloa, Havai. As observações da explosão atravessam o espectro, das ondas de rádio aos raios gama, e incluem dados de muitas missões da NASA e de parceiros, incluindo o telescópio de raios-X NICER, na Estação Espacial Internacional, o observatório NuSTAR, da NASA, e até a Voyager 1, no espaço interestelar. Os resultados apresentados surgem numa edição da revista The Astrophysical Journal Letters.

O sinal da GRB 221009A viajou cerca de 1,9 mil milhões de anos até chegar à Terra, tornando-se uma das GRBs “longas” (cuja emissão inicial dura mais de dois segundos) mais próximas que se conhecem. Os astrónomos acham que estas explosões representam os gritos de nascimento de buracos negros formados quando os núcleos de estrelas massivas colapsam sob o seu próprio peso. À medida que vai ingerindo rapidamente a matéria circundante, o buraco negro emite jatos em direções opostas contendo partículas aceleradas até próximo da velocidade da luz. Estes jatos trespassam a estrela, emitindo raios-X e raios gama à medida que fluem para o espaço.

As explosões de raios gama são as explosões mais luminosas do cosmos. Os astrónomos creem que a maioria ocorre quando o núcleo de uma estrela massiva fica sem combustível nuclear, colapsa sob seu próprio peso e forma um buraco negro, tal como está ilustrado nesta animação. O buraco negro impulsiona então jatos de partículas que atravessam a estrela em colapso quase à velocidade da luz. Estes jatos trespassam a estrela, emitindo raios-X e raios gama (magenta) à medida que fluem para o espaço. Então, penetram no material em volta da estrela condenada e produzem um brilho residual de vários comprimentos de onda que desaparece gradualmente. Quanto mais de perto vemos um destes jatos, mais brilhante ele surge. Crédito: NASA’s Goddard Space Flight Center.

Com este tipo de GRBs, os astrónomos esperam descobrir uma supernova brilhante algumas semanas mais tarde, mas até agora não a observaram. Uma possível justificação para o facto é a GRB ter surgido numa parte do céu que fica apenas alguns graus acima do plano da nossa galáxia, onde espessas nuvens de poeira podem diminuir bastante a luz recebida.

“Não podemos dizer de forma conclusiva que existe uma supernova, o que é surpreendente dado o brilho da explosão”, disse Andrew Levan, professor de astrofísica na Radboud University em Nijmegen, Países Baixos.Como as nuvens de poeira se tornam mais transparentes nos comprimentos de onda do infravermelho, Levan levou a cabo observações no infravermelho próximo e médio usando o Telescópio Espacial James Webb – a primeira utilização do Webb neste tipo de estudo – bem como o Telescópio Espacial Hubble, para detetar a supernova. “Se lá estiver, é muito fraca.Vamos continuar a procurar”, acrescentou, “mas é possível que toda a estrela tenha colapsado no buraco negro em vez de explodir”. Estão planeadas observações adicionais com o Webb e o Hubble para os próximos meses.

À medida que os jatos se continuam a expandir pelo material em torno da estrela condenada, produzem um brilho residual em vários comprimentos de onda que desaparece gradualmente.

Ilustração que mostra os ingredientes de uma explosão longa de raios gama, o tipo mais comum. O núcleo de uma estrela massiva (à esquerda) entrou em colapso, formando um buraco negro que envia um jato de partículas que se move através da estrela em colapso e para o espaço quase à velocidade da luz. A radiação em todo o espectro surge do gás ionizado quente (plasma) nas proximidades do buraco negro recém-nascido, de colisões entre conchas de gás em movimento rápido dentro do jato (ondas de choque internas) e da extremidade de ataque do jato à medida que ele avança e interage com a vizinhança (choque externo). Crédito: NASA’s Goddard Space Flight Center.

“Estando tão próxima e sendo tão brilhante, esta explosão ofereceu-nos uma oportunidade sem precedentes de recolher observações do brilho residual em todo o espectro eletromagnético e de testar até que ponto os nossos modelos refletem bem o que está realmente a acontecer nos jatos da GRB”, disse Kate Alexander, professora assistente no departamento de Astronomia da Universidade do Arizona, em Tucson. E acrescentou: “Os modelos de brilho residual, que ao longo de vinte cinco anos funcionaram muito bem, não podem explicar completamente este jato. Em particular, descobrimos uma nova componente de rádio que não compreendemos inteiramente. Isto pode indicar uma estrutura adicional dentro do jato ou sugerir a necessidade de revermos os nossos modelos sobre como interagem os jatos GRB com a vizinhança.”

Os jatos em si não eram extraordinariamente poderosos, mas extremamente estreitos – muito parecidos com um jato de uma mangueira de jardim – e um apontava diretamente na nossa direção, como explicou Alexander. Quanto mais de frente vemos um jato, mais brilhante ele surge. Embora o brilho residual tenha sido inesperadamente fraco em energias de rádio, é provável que a GRB 221009A permaneça detetável durante anos, oferecendo uma nova oportunidade de investigar todo o ciclo de vida de um jato poderoso.

A explosão permitiu ainda investigar nuvens de poeira distantes na nossa galáxia. À medida que os rápidos raios-X viajavam na nossa direção, alguns eram refletidos pelas camadas de poeira, criando ampliados “ecos de luz” da explosão inicial na forma de anéis de raios-X expandindo-se a partir do local da explosão. O telescópio de raios-X no Observatório Neil Gehrels Swift da NASA descobriu a presença de uma série de ecos. O acompanhamento detalhado realizado pelo telescópio XMM-Newton, da ESA, juntamente com os dados do Swift, revelaram que estes extraordinários anéis foram produzidos por 21 nuvens de poeira distintas.

“A forma como as nuvens de poeira dispersam os raios-X depende da sua distância, do tamanho dos grãos de poeira e da energia dos raios-X”, explicou Sergio Campana, diretor de investigação do Observatório de Brera e do Instituto Nacional de Astrofísica de Merate, Itália. “Conseguimos usar os anéis para reconstruir parte da emissão de raios-X da explosão e determinar onde estão localizadas as nuvens de poeira na nossa galáxia.”

GRB 221009A é apenas a sétima explosão de raios gama a exibir anéis de raios-X e triplica o número previamente observado em torno de uma. Os ecos vieram da poeira localizada entre os 700 e os 61.000 anos-luz de distância. Os ecos mais distantes – nítidos do outro lado da Via Láctea – estavam também 4.600 anos-luz acima do plano central da galáxia, onde reside o Sistema Solar.

As imagens do XMM-Newton registaram 20 anéis de poeira, 19 dos quais se mostram aqui em cores arbitrárias. Esta composição combina observações realizadas dois e cinco dias após a explosão GRB 221009A. As listas escuras indicam os intervalos entre os detetores. Uma análise detalhada mostra que o anel mais amplo que se vê na imagem, comparável ao tamanho aparente da lua cheia, veio de nuvens de poeira localizadas a cerca de 1.300 anos-luz. O anel mais interno nasceu da poeira à distância de 61.000 anos-luz – do outro lado da nossa galáxia. GRB 221009A é apenas a sétima explosão de raios gama a exibir anéis de raios-X e triplica o número previamente observado em torno de uma. Crédito: ESA/XMM-Newton/M. Rigoselli (INAF).

Por último, a explosão oferece uma oportunidade de analisar uma grande questão cósmica. “Pensamos nos buracos negros como coisas que tudo consomem, mas será que também devolvem energia ao Universo?” indagou Michela Negro, astrofísica da Universidade de Maryland, Baltimore, e do Goddard Space Flight Center da NASA, em Greenbelt.

A sua equipa conseguiu investigar os anéis de poeira com o Imaging X-ray Polarimetry Explorer da NASA para tentar perceber como estava estruturada a emissão, o que pode fornecer informações sobre como se formam os jatos. Além disso, um pequeno grau de polarização observado na fase de brilho residual confirma que o jato foi visto quase diretamente de frente.

Juntando medições semelhantes do observatório INTEGRAL, da ESA, agora a serem estudadas por uma equipa, os cientistas dizem que pode ser possível provar que os jatos da BOAT foram alimentados pela energia de um campo magnético amplificado pela rotação do buraco negro. Previsões com base nestes modelos já explicaram com sucesso outros aspetos desta explosão.

 

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Fonte da notícia: NASA

Tradução: Teresa Direitinho

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