As consequências do bullying
❉ Este artigo faz parte de uma série de artigos preparados pelas oradoras do evento Soapbox Science Lisbon. A segunda edição do Soapbox Science Lisbon, para promover as mulheres na ciência, terá lugar no dia 23 de Outubro de 2021. Guardem esta data!
As consequências do bullying
Por Rute Pereira
Sempre fui uma criança muito feliz: no jardim de infância tinha muitos amigos, na escola primária brincávamos todos juntos e eu tinha muito orgulho em ser boa aluna.
Tudo mudou quando entrei para a escola básica. De repente, ia estar na escola onde a minha mãe era Professora, a “escola dos crescidos”, ia aprender sobre muito mais coisas como História, Geografia, Ciências… Tinha tudo para correr bem! E correu, em teoria. Mas na prática não foi assim tão fácil. Os comentários começaram a surgir nas primeiras semanas de aulas e eu não queria acreditar. Então, do nada, alguém reparou numa característica física minha que ninguém tinha reparado antes? Não fazia qualquer sentido. Como é que ninguém me tinha dito antes? Como é que eu não tinha visto?! Quando falei sobre isto com os meus pais eles tranquilizaram-me: nada na minha fisionomia estava errada ou fora do normal, isto tinha sido apenas um comentário de mau gosto. Mas os comentários continuaram. Ainda não me sinto confortável para partilhar detalhes sobre tudo isto, mas estava na hora de partilhar a minha experiência.
No total foram 3 anos a ouvir sempre o mesmo “nome” desde que passava o portão da escola às 8h da manhã até sair às 16h30. Não podia levantar o braço para responder a uma pergunta numa aula sem que esse “nome” saísse da boca de algum colega de turma. Fui eleita delegada de turma e isso foi ainda mais um pretexto para gozar comigo. Se tinham um problema, a Rute é que ia – só que não diziam Rute, diziam esse “nome” que usavam como alcunha para mim. Odiei ser delegada de turma e não voltei a querer ter essa responsabilidade até chegar à Universidade. Nunca mais quis destaques nem cargos. Só queria que me deixassem em paz e se esquecessem de mim. No intervalo, eu e as minhas duas melhores amigas, fugíamos deles para zonas diferentes todos os dias. Não, não era só eu que tinha uma “alcunha”…
Os anos foram passando e eu ia-me refugiando onde me sentia confortável: na leitura e no estudo. Devorei a maioria dos livros da biblioteca da minha escola e, para não pensar naquilo que estava a sofrer na escola, estudava.
Pedi muitas vezes à minha mãe para ela me tentar mudar de turma, mas ela dizia sempre que não podia, não tinha esse poder. E eu chorava.
Após 3 anos do início deste episódio, alguns colegas foram mudando de escola e os restantes acalmaram. Alguns até chegaram a pedir-me desculpa! Mas o mal já estava feito. Encontrei no meu coração coragem para os perdoar, mas nunca me esqueci, nem nunca esquecerei.
A minha auto-estima ficou no chão, durante anos e anos a fio. A única coisa que me fazia sentir que eu tinha valor eram as minhas notas. Mas, e quando as notas já não são assim tão boas? Durante o ensino secundário fiquei obcecada pela média. Cheguei até a desistir de um dos cursos superiores que mais queria, na altura, por achar que não iria conseguir atingir a média requerida por este curso.
Quando entrei na Licenciatura em Química já não tinha grandes expectativas, mas, mesmo assim, não foi fácil lidar com a realidade de não ser mais considerada uma excelente aluna. Afinal, eu deixei que o meu valor fosse definido pelas minhas notas durante anos e, agora, já não sentia que as minhas notas tivessem qualquer valor.
Com o tempo, e também com muito trabalho emocional, comecei a reconhecer que não é uma nota que vai definir o meu valor. Não é uma avaliação ou opinião por parte de terceiros que vai definir o meu valor. Sou eu quem define o meu próprio valor.
Eu não quero com este testemunho promover uma história triste e transformar-me numa vítima. Quero que esta história ajude alguém que esteja a passar pelo mesmo a entender que vai sempre haver um futuro mais risonho, vai sempre haver uma saída.
A minha saída foi a ciência, foram os estudos, foram os livros.
A tua, és tu que a vais descobrir.
Confia no que está reservado para ti.
Autora:
Nascida em 1995, a Rute licenciou-se em Química na Universidade de Aveiro em 2016, tendo começado a trabalhar no desenvolvimento de nanopartículas magnéticas nesta altura. Mais tarde, tornou-se Mestre em Materiais e Dispositivos Biomédicos (2018) enquanto trabalhava como Bolseira de Investigação para um projeto de desenvolvimento de nanopartículas magnéticas para aplicações biomédicas. Atualmente, é estudante de Doutoramento em Nanociências e Nanotecnologias, a desenvolver biomateriais que contêm nanopartículas magnéticas que podem ser utilizados como agentes de contraste em MRI e dar informação acerca de uma temperatura definida durante um ensaio de hipertermia.
A Rute também está muito interessada em comunicação de ciência e trazer ciência para plataformas online como redes sociais. Com esta visão, ela começou uma página no instagram onde partilha o seu dia-a-dia enquanto jovem cientista em Portugal. Recentemente, também começou o seu website www.amazingchemist.com, onde podem encontrar Recursos Digitais relacionados com a vida académica.
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❉ This article is part of a series of articles prepared by the speakers at the Soapbox Science Lisbon event. The second edition of Soapbox Science Lisbon, to promote women in science, will happen on 23rd of October 2021. Save the date!
The consequences of bullying
By Rute Pereira
I was always a very happy child: in kindergarten I had many friends, in primary school we all played together, and I was always proud to be a great student.
Everything changed when I arrived in middle school. I was going to be at the “big kids’ school”, where my mother was a teacher, and I was going to learn about History, Geography, Sciences… Seemed like, in theory, everything was going to be great! But in reality, it was not that easy. I still don’t feel comfortable sharing all the details, but it is time to share my experience.
Kids started to call me out on a physical feature I didn’t realize before that I had. It didn’t make any sense to me. How did no one ever say anything about it before? How could I have missed it? When I talked to my parents about it, they said that there was nothing about me that was abnormal or different. But the kids continued.
I still don’t feel comfortable sharing all the details about this, but it is time to share my experience.
For 3 years I was called a mean name every single day from 8 a.m. to 16:30 p.m. I couldn’t lift my arm in class to answer a question without that mean name coming out of a kid’s mouth. When I was elected the class’ representative, that made them mock me even more. Whenever they had a problem Rute would have to go fix it – but they didn’t call me my name, they would just call me by the nickname they had given me. I hated being the class’ representative and I never wanted to have that responsibility again, until College. I never wanted any spotlight or special position. I just wanted them to forget that I existed and leave me alone. At recess, me and my two best friends would run away from the other kids to different places every day. It wasn’t just about me.
Years passed, and I found refuge where I felt comfortable: reading and studying. I read the majority of the books at my school’s library and studied a lot. I asked my mom several times to try and change me to another class, but she always said that she didn’t have that power.
After 3 years, some kids changed schools and the rest calmed down. Some even apologised! But the damage was already done. I found in my heart the courage to forgive them, but I never forgot, and I never will.
My self-esteem was at its bottom, for years. The only thing that had value for me were my grades. But what happens when the grades are not that good anymore? During high school I became obsessed with my grades. I even gave up applying for one of the College degrees I really wanted at the time by thinking I wouldn’t get in. When I enrolled in my BSc in Chemistry, I didn’t have many expectations, nonetheless it was not easy for me to deal with the fact of not being considered a great student anymore. I had let my value be defined by my grades for so many years, and now I didn’t feel that my grades had any value at all. With time, and a lot of emotional work, I started to recognise that what defines my value is not a grade, not an opinion or evaluation from someone else. It’s me. I am the one that defines my own value.
With this text I don’t want to promote a sad story or turn me into a victim. I just want this story reaches someone that is going through the same understand that there will be a happy future, that there is always a way out.
My way out was science, studying and books.
Your way out will be discovered by you.
Trust in what awaits you.
Author:
Born in 1995, Rute received a BSc in Chemistry from the University of Aveiro in 2016, during which she started working in the development of magnetic nanoparticles. Later, she received a MSc in Biomedical Materials and Devices in 2018, while also working as a Research Grantee for a project regarding the development of nanoparticles for biomedical applications. She is currently a PhD Student in Nanosciences and Nanotechnology, developing biomaterials containing magnetic nanoparticles that can be used as contrast agents for MRI and give information about a given temperature during a hyperthermia treatment.
Rute is also extremely interested in science communication and bringing science to online platforms, such as social networks. With this vision, she started her own Instagram page devoted to sharing the daily life of a young scientist in Portugal. Recently, she started her own website at www.amazingchemist.com, where you can find Digital Resources related to academic life.
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