Uma equipa internacional de astrofísicos, liderada pelo professor australiano Matthew Bailes, do OzGrav – Centro de Excelência em Descoberta de Ondas Gravitacionais do ARC (Australian Research Council), revelou evidências de “arrastamento de referenciais” – ou de como a rotação de um corpo celeste distorce o espaço-tempo – depois de investigar a órbita de um par exótico de estrelas ao longo de quase duas décadas. Os dados, que constituem mais uma prova da Teoria da Relatividade Geral de Einstein, foram publicados na revista Science.

Ilustração de um sistema com uma anã branca (centro) e um pulsar companheiro que constitui um excelente laboratório gravitacional natural. Créditos: Mark Myers, OzGrav ARC Centre of Excellence.

Há mais de um século, Albert Einstein publicou a Teoria da Relatividade Geral, onde demonstrou que que a força da gravidade surge da curvatura do espaço-tempo e que os objetos, como o Sol e a Terra, alteram essa geometria. Os avanços na instrumentação levaram à deteção de fenómenos distantes, relacionados com a Relatividade Geral. A descoberta de ondas gravitacionais foi anunciada em 2016; e descobertas como a primeira imagem da sombra de um buraco negro ou de estrelas a orbitar o buraco negro supermassivo no centro de nossa galáxia foram publicadas no ano passado.

Há quase 20 anos, uma equipa liderada pelo professor Bailes, da Universidade de Tecnologia de Swinburne, e diretor do OzGrav, começou a observar duas estrelas a girar em torno uma da outra com velocidades surpreendentes, com a ajuda do radiotelescópio Parkes da CSIRO, de 64 metros. Uma das estrelas é uma anã branca do tamanho da Terra, mas com 300 mil vezes a sua densidade; a outra é uma estrela de neutrões, que embora tenha apenas 20 km de diâmetro, tem cerca de 100 mil milhões de vezes a densidade da Terra. O sistema, que tem o nome de “PSR J1141-6545”, foi descoberto em Parkes e é um sistema de surpresas relativistas.

A estrela de neutrões é o resultado de uma estrela que explodiu, há cerca de um milhão de anos. Antes de isso acontecer, a estrela terá começado a expandir-se, libertando o seu núcleo externo que foi caindo sobre a anã branca próxima. Os detritos em queda fizeram com que a anã branca girasse cada vez mais depressa, até o seu dia ter apenas uma duração de minutos.

Em 1918 (três anos após Einstein publicar a sua Teoria), os matemáticos austríacos Josef Lense e Hans Thirring perceberam que, se Einstein estivesse certo, todos os corpos em rotação deveriam “arrastar” o tecido do espaço-tempo à sua volta (um efeito que à nossa escala é minúsculo e praticamente indetetável). No início deste século, a primeira evidência experimental deste efeito foi observada em giroscópios a orbitar a Terra, e cuja orientação foi arrastada na direção da rotação da Terra. Mas uma anã branca a girar a grande velocidade, como PSR J1141-6545, arrasta o espaço-tempo com uma intensidade 100 milhões de vezes superior!

Um pulsar a orbitar uma tal anã branca apresenta uma oportunidade única de testar a teoria de Einstein num novo regime ultra relativista.

O sistema binário PSR J1141-6545 (anã branca-pulsar) descoberto pelo radiotelescópio Parkes da CSIRO, de 64 metros. O pulsar orbita a sua companheira anã branca a cada 4,8 horas. A rotação rápida da anã branca arrasta o espaço-tempo em volta, fazendo com que o plano da órbita se vá alterando gradualmente. Créditos: Mark Myers, OzGrav ARC Centre of Excellence.

Durante o seu doutoramento, na Universidade de Tecnologia de Swinburne, o principal autor do estudo, Vivek Venkatraman Krishnan, do MPIfR (Instituto Max Planck de Radioastronomia) teve a invejável tarefa de desvendar todos os efeitos relativistas concorrentes em jogo no sistema. Notou que, a não ser que considerasse uma alteração gradual na orientação do plano da órbita, a Relatividade Geral não fazia sentido.

Paulo Friere, do MPIfR, percebeu então que o arrastamento de referenciais de toda a órbita poderia explicar a inclinação do plano, e a equipa apresenta provas que apoiam esta explicação no artigo agora publicado – o que revela que a Relatividade Geral está viva e de boa saúde, mostrando mais uma de suas muitas previsões.

O resultado agrada em especial aos membros da equipa: Bailes, Willem van Straten (Universidade de Tecnologia de Auckland) e Ramesh Bhat (ICRAR-Curtin), que trabalham com o telescópio de Parkes desde o início dos anos 2000, mapeando pacientemente a órbita, com o objetivo final de estudar o Universo de Einstein. “Isto faz com que tenham valido a pena todas as noitadas e madrugadas,” disse Bhat.

Vídeo que mostra o arrastamento do espaço-tempo. Créditos: Mark Myers, OzGrav ARC Centre of Excellence/Swinburne University of Technology.

 

Comentários dos especialistas:

“No início, o par de estrelas parecia mostrar muitos dos efeitos clássicos que a teoria de Einstein previu. Depois, observámos uma mudança gradual na orientação do plano da órbita.” Vivek Venkatraman Krishnan, do MPIfR, principal autor do estudo. E acrescentou: “Os pulsares são relógios cósmicos. A grande estabilidade da sua rotação indica que qualquer desvio no tempo esperado de chegada dos sinais (pulsos) se deve provavelmente ao movimento do pulsar ou aos eletrões e campos magnéticos que os sinais encontram. O tempo do pulsar é uma técnica poderosa na qual usamos relógios atómicos em radiotelescópios para estimar o tempo de chegada dos sinais com uma precisão muito elevada. O movimento do pulsar na sua órbita modula o tempo de chegada, possibilitando assim a sua medição.”

“Postulámos que isto pode ser devido, pelo menos em parte, ao chamado ‘arrastamento de referenciais’ ao qual toda a matéria está sujeita na presença de um corpo em rotação, como foi previsto pelos matemáticos austríacos Lense e Thirring, em 1918”, disse Paulo Freire.

“Num par estelar, a primeira estrela a entrar em colapso costuma girar a grande velocidade devido à subsequente transferência de massa do seu companheiro. As simulações Tauris ajudaram a quantificar a magnitude da rotação da anã branca. Neste sistema, toda a órbita está a ser arrastada pela rotação da anã branca, que está desalinhada com a órbita,” disse o Professor Thomas Tauris, da Universidade de Aarhus.

“Uma das primeiras confirmações do arrastamento de referenciais usou quatro giroscópios num satélite em órbita da Terra, mas no nosso sistema os efeitos são 100 milhões de vezes mais fortes,” disse Norbert Wex (MPIfR).

“Os pulsares são super-relógios no espaço. Os super-relógios em campos gravitacionais fortes são os laboratórios dos sonhos de Einstein. Neste sistema estelar binário, temos estado a estudar um dos mais invulgares. Tratando os pulsos periódicos de luz do pulsar como o tic-tac de um relógio, podemos ver e deslindar muitos efeitos gravitacionais à medida que eles alteram a configuração orbital e o tempo de chegada dos pulsos. Neste caso, vimos pela primeira vez num sistema estelar a precessão de Lense–Thirring, uma previsão da Relatividade Geral,” explicou Evan Keane (SKA Organisation).

“Depois de excluirmos uma série de possíveis erros experimentais, começámos a desconfiar que a interação entre a anã branca e a estrela de neutrões não era tão simples quanto se supunha,” disse Willem van Straten (AUT).

Fonte da notícia: Phys.org

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