A teoria da gravidade de Einstein – Teoria da Relatividade Geral – baseia-se no princípio de que todos os objetos aceleram de forma idêntica num campo gravitacional externo. Um sistema triplo de estrelas é um teste rigoroso para este princípio.

Num determinado campo gravitacional, todos os corpos devem cair com a mesma aceleração. Esta ideia, conhecida como Princípio da Equivalência, é central para o nosso entendimento da física gravitacional e foi defendida por pensadores desde John Philoponus, no século VI, até Galileu; é o princípio em que se baseia a Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein, e foi globalmente demonstrado quando o astronauta David Scott, da missão Apollo, deixou cair um martelo e uma pena na Lua e viu que atingiam a superfície lunar ao mesmo tempo. Durante décadas, os experimentalistas verificaram o Princípio da Equivalência usando instrumentos sensíveis. Agora, num artigo na Nature, Archibald et al. descrevem os resultados de um teste extraordinário do princípio, no qual os objetos em queda são dois remanescentes estelares: uma estrela de neutrões e uma anã branca.

PSR J0337 + 1715
O sistema triplo de estrelas deste estudo, PSR J0337 + 1715, localizado a cerca de 4200 anos-luz da Terra. Crédito: Nature.

Uma estrela de neutrões que gira e emite um feixe de radiação eletromagnética é conhecida como um pulsar. Com efeito, a emissão parece pulsar porque só pode ser vista quando o raio emitido aponta para a Terra. Os pulsos são tão regulares que as variações no seu período observado podem ser imediatamente interpretadas como sendo devidas à interação gravitacional entre outro corpo e o pulsar. Estas variações foram usadas para descobrir mais de 220 sistemas binários contendo uma estrela de neutrões e também alguns pulsares que possuem planetas associados

Em 2014, os astrónomos relataram um pulsar fora do comum, por ter dois companheiros estelares (ver figura). A estrela de neutrões, que pesa 1,4 massas solares, encontra-se numa órbita próxima, de 1,6 dias, com uma anã branca de 0,2 massas solares. Por sua vez, este par de objetos encontra-se numa órbita de 327 dias com uma anã branca de 0,4 massas solares. As órbitas interna e externa são quase circulares e estão praticamente no mesmo plano.

Se a estrela de neutrões e a anã branca interna caíssem com diferentes acelerações em direção à anã branca externa, haveria uma pequena deformação da órbita interna. Archibald e a sua equipa descrevem a análise de aproximadamente seis anos de dados mostrando que não há quaisquer sinais de tal deformação. As acelerações dos dois corpos não diferem mais que 2,6 partes por milhão, o que está de acordo com o Princípio da Equivalência.

Os testes a este princípio têm já uma longa história. No final do século XIX, o físico húngaro Roland von Eötvös dedicou anos da sua vida a verificar que as acelerações de vários materiais de laboratório no campo gravitacional da Terra diferem menos que algumas partes por milhar de milhão. Os seus discípulos modernos, o grupo Eöt-Wash de Seattle, Estado de Washington, reduziram esse limite a partes por 1013. E em 2017 os dados da missão espacial francesa MICROSCOPE diminuíram-no por mais um fator de dez.

Tendo em conta que um objeto típico num laboratório de física consiste num conjunto de partículas elementares com os seus campos e energias associados, é extraordinário que as respostas de diferentes materiais à gravidade sejam tão semelhantes. Na imaginação única de Einstein, havia uma razão para isso: a gravidade não é uma força que atua sobre todas essas partículas de um modo extraordinariamente preciso, mas é simplesmente um efeito da geometria do espaço-tempo. Os componentes da matéria seguem caminhos universais no espaço-tempo que é curvado por corpos de grande massa, como a Terra ou o Sol.

Mas será que a energia gravitacional age da mesma forma que a matéria? Os pequenos objetos usados em experiências de laboratório não têm energia gravitacional suficiente para se poder responder a esta pergunta, mas os planetas e estrelas sim. Com a gravidade própria, entra em ação o Princípio de Equivalência Forte. Este princípio destaca a Teoria da Relatividade Geral das teorias concorrentes. Na teoria de Einstein, todos os corpos – martelos, penas, planetas, estrelas de neutrões, anãs brancas e até mesmo buracos negros – caem com a mesma aceleração. Mas, na maioria das teorias de gravidade alternativas, como as teorias escalar-tensoriais, o Princípio da Equivalência é violado para corpos que têm gravidade própria.

Durante quase 50 anos, os investigadores mediram quanto tempo demoram pulsos de laser a ir da Terra à Lua e voltar – uma técnica conhecida como LLR (Lunar Laser Ranging). As análises desses dados verificaram o Princípio de Equivalência Forte, mostrando que as acelerações dos dois corpos em direção ao Sol diferem apenas em algumas partes por 1013. Como cerca de 5 partes em 1010 da massa da Terra são energia gravitacional, este resultado implica que as acelerações da energia gravitacional e da matéria diferem em menos de algumas partes por 104.

O estudo levado a cabo por Archibald e a sua equipa abre novos caminhos porque a energia gravitacional no interior de uma estrela de neutrões pode representar até 20% da massa do corpo. Os resultados implicam assim que as acelerações da energia gravitacional e da matéria diferem em não mais que algumas partes por 105 – uma melhoria em relação aos resultados LLR.

E o que é ainda mais importante, os autores conseguiram fazer um teste de campo forte à Relatividade Geral. Ao contrário do que acontece no Sistema Solar, para o qual a teoria de Einstein prevê apenas pequenos desvios em relação à Teoria da Gravidade de Newton, o movimento de uma estrela de neutrões num campo gravitacional apela à Relatividade Geral em toda a sua complexa glória. A teoria de Einstein passa com distinção neste teste de campo forte.

Como a Relatividade Geral prevê um efeito nulo, só é possível passar ou reprovar. Mas para as teorias alternativas, apelar aos efeitos de gravidade forte complica substancialmente a interpretação dos resultados. Archibald et al. demonstram essa complexidade usando como exemplo teorias escalar-tensoriais. Para essas teorias, a interpretação dos resultados depende da estrutura interna assumida para a estrela de neutrões e dos valores escolhidos para quantidades conhecidas como constantes de acoplamento. Os autores mostram que os resultados melhoram em certas restrições pré-existentes nos parâmetros que governam essas teorias – algumas decorrentes de medições no Sistema Solar e outras de dados de sistemas binários contendo um pulsar. Embora as teorias não tenham sido completamente anuladas, a sua validade ficou comprometida.

Fonte da notícia: Nature

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