English Version 🇬🇧

Na passada semana, os astrónomos revelaram a primeira imagem do buraco negro supermassivo no coração da nossa galáxia, a Via Láctea.

Os cientistas já tinham observado estrelas a orbitar algo invisível, compacto e muito massivo no centro da Via Láctea. Conhecido como Sagitário A*, ou Sgr A*, acreditava-se fortemente que este objeto era um buraco negro.

A primeira imagem de Sagitário A*, ou Sgr A*, o buraco negro supermassivo no centro da Via Láctea. Crédito: Event Horizon Telescope Collaboration.

A colaboração EHT (Event Horizon Telescope) é a equipa internacional de investigação que está por detrás desta inovadora conquista, envolvendo mais de 300 cientistas de 80 instituições em todo o mundo. A equipa do EHT uniu oito observatórios de rádio existentes no nosso planeta para formar um único telescópio virtual do tamanho da Terra e conseguir obter a primeira imagem direta de Sgr A*. O telescópio recebeu o nome do horizonte de eventos, a fronteira em torno de um buraco negro para lá da qual nenhuma luz pode escapar.

Esta é a segunda imagem de um buraco negro a ser obtida depois de o EHT ter revelado, em 2019, a primeira imagem de M87* na distante galáxia Messier 87.

O professor Ue-Li Pen, do Instituto Canadiano de Astrofísica Teórica (CITA), é um cientista que colabora no projeto EHT. Atualmente em Taipé, Taiwan, Pen é também diretor do ASIAA (Academia Sinica Institute of Astronomy and Astrophysics), um dos principais institutos que lideram o projeto, e membro associado do Dunlap Institute for Astronomy & Astrophysics na Faculdade de Artes e Ciências da Universidade de Toronto.

Recentemente, partilhou as suas opiniões sobre a descoberta com a escritora Josslyn Johnstone. Os resultados desta descoberta foram publicados a 12 de maio, numa edição especial da revista The Astrophysical Journal Letters e apresentados em conferências de imprensa simultâneas realizadas em todo o mundo.

O que torna esta segunda imagem de um buraco negro tão importante?

Em termos científicos, esta descoberta é muito importante porque Sgr A* está muito mais perto de nós que M87* – cerca de 27 mil anos-luz de distância contra os 53 milhões de anos-luz para M87*. Podemos estudá-lo com muito maior detalhe e fazer mais descobertas do que é possível fazer para um objeto muito distante e dificilmente mensurável.

O facto de este buraco negro estar na nossa galáxia – está perto, se falarmos em termos de espaço sideral – torna-o muito mais fascinante. Eu faço esta comparação: uma coisa é descobrirmos um velho osso de dinossauro e outra totalmente diferente é vermos um dinossauro vivo no nosso quintal.

É uma conquista conjunta impressionante, com investigadores a colaborarem em continentes, países, culturas e fusos horários diferentes para que isto acontecesse. Mostra que quando as pessoas trabalham juntas podem acontecer coisas incríveis.

Se este buraco negro está muito mais próximo, por é que os investigadores captaram primeiro uma imagem de M87*?

Quando vistos da Terra, o tamanho angular dos dois buracos negros é semelhante. No entanto, M87* não está apenas muito mais distante, tem um tamanho mais de mil vezes superior e é muito mais massivo que Sgr A*. É como a Lua e o Sol, que vistos da Terra parecem do mesmo tamanho, mas o Sol é muito maior.

É difícil criar instantaneamente uma imagem porque não temos toda a informação – há píxeis em falta, digamos assim. Idealmente, cobriríamos toda a Terra com telescópios, mas é óbvio que não temos tantos. Tínhamos oito telescópios a captar dados a determinado momento. Então, para preenchermos as lacunas onde no planeta não há telescópios, onde não temos dados, esperamos que a Terra gire.

Como o buraco negro mais distante é muito maior, gira mais lentamente. Isto facilita o varrimento do buraco negro para criar uma imagem. O buraco negro no centro de nossa galáxia, sendo mais pequeno, varia intrinsecamente – o que significa que, em vez de obtermos um instantâneo estático do objeto, estamos a tentar reconstruir algo que está constantemente a mudar à medida que o observamos. É difícil separamos o que se deve à rotação da Terra do que se deve à rotação do buraco negro, porque ambas estão a mudar. É por isso que demorou tantos anos conseguir imagens de Sgr A*, embora os dados de ambos os buracos negros tenham sido recolhidos no mesmo período de 2017.

É por isso que há tanta diferença em termos visuais entre as imagens de Sgr A* e de M87*?

Certo, ao contrário da imagem de M87* de 2019, que era uma imagem clara de um buraco negro, neste caso temos uma série de imagens que são a reconstruções de como pode ser Sgr A*. Não é tão distinta, a ponto de podermos dizer: “É isto”. Mas o que temos é uma imagem quase alegórica com variações de como poderá ser: “Pode ser isto, ou pode parecer-se com isto”.

É como fotografar um objeto em movimento rápido, como uma bola de beisebol, com uma câmara SLR – a bola está a mover-se ao mesmo tempo que a exposição, então acabamos por obter uma imagem distorcida.

Que questões esperamos poder responder com esta nova imagem?

De certa forma, ao captarmos aquela primeira imagem do buraco negro que estava mais distante, ainda tínhamos as mesmas questões… e depois tivemos mais. Acho que a imagem de Sgr A* contém todas as respostas, ou pelo menos muitas delas, porque conseguimos chegar muito mais perto para vermos o que está a acontecer. Já sabíamos que o buraco negro lá estava. Agora temos a esperança de conseguir perceber porque existem buracos negros e como se formam estudando o ambiente à sua volta. O principal interesse da minha investigação são os objetos compactos próximos do buraco negro, os chamados pulsares, pelo que estou a procurar medir pulsares no mesmo conjunto de dados.

Agora que já temos a imagem, qual é o próximo passo no trabalho dos investigadores?

A próxima análise será incrivelmente valiosa em termos científicos, pois irá medir a polarização da emissão. Pense em óculos de sol polarizados, em que a luz vem em duas polarizações que podemos estudar: a luz solar refletida e o brilho resultante. Ao girarmos o filtro de polarização, podemos perceber o que é refletido e o que não é. Para o buraco negro, é algo semelhante. Com a polarização, podemos estudar a natureza da emissão de radiação. Considerando que, agora, é um pouco incerto o que estamos a observar, com a polarização creio que ficará tudo muito mais claro.

 

Fonte da notícia: University of Toronto

Tradução: Teresa Direitinho

Classificação dos leitores
[Total: 0 Média: 0]