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Este artigo faz parte de uma série de artigos preparados pelas oradoras do evento Soapbox Science Lisbon. A segunda edição do Soapbox Science Lisbon, para promover as mulheres na ciência, terá lugar no dia 23 de Outubro de 2021. Guardem esta data!

 

Trabalhar numa colaboração que nunca dorme

Por Ana Peixoto

Os desafios actuais do mundo da física de partículas cada vez mais exigem detectores complexos, grandes quantidades de dados e, consequentemente, grandes colaborações de cientistas. A Colaboração ATLAS na Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN) é um óptimo exemplo desse esforço cooperativo. Sou um dos membros dessa colaboração composta por cerca de 5.500 pessoas de 103 nacionalidades, estando actualmente a analisar os dados colectados pelo detector ATLAS no Large Hadron Collider (LHC). Trabalhar num laboratório internacional como o CERN é incrivelmente empolgante, e não estou a falar apenas sobre a ”caça” à nova física. O público em geral tem uma curiosidade infinita sobre o que acontece neste laboratório de dois quilómetros de extensão, e todos os tipos de perguntas surgem, desde as engraçadas às mais profundas. A minha partilha de hoje tem como objectivo esclarecer algumas dessas dúvidas explicando como é o nosso quotidiano habitual.

Figura 1: Nacionalidades dos 5.500 membros da Colaboração ATLAS.

A maioria dos cientistas que exploram os dados do LHC tem um horário de trabalho normal. No entanto, para os engenheiros directamente envolvidos em operações de acelerador ou detector, bem como para os físicos que garantem que o detector ATLAS está a obter dados ininterruptos com boa qualidade, simplesmente não existe horário! O túnel subterrâneo de 27 km do LHC contém ímanes supercondutores que devem ser mantidos a uma temperatura de -271 °C (mais frio que o espaço sideral!), de maneira a fornecer a intensidade de campo magnético necessária para acelerar os feixes de protões numa trajetória circular em redor do anel. Sendo assim, seria totalmente ineficiente arrefecer os ímanes todos os dias, além do facto de serem necessárias várias semanas para que essa temperatura seja atingida por parte dos cerca de 1300 dipolos magnéticos de 15 metros de comprimento que compõem o sistema de aceleração dos protões.

Figura 2: Detector ATLAS (e alguns colaboradores para escala) durante a sua construção em 2008.

O resultado disso é que, uma vez que tudo esteja a funcionar, os feixes de protões são mantidos a circular e colidir pelo maior tempo possível em diferentes pontos do túnel do LHC, sendo o detector ATLAS (com 46 metros de comprimento e 25 metros de diâmetro localizado numa caverna 100 metros abaixo do solo) um deles. Ao longo do ano, 24 horas por dia, 7 dias por semana, a sala de controlo de ATLAS é habitada de maneira a manter o detector saudável e a funcionar com a melhor eficiência possível. Nesse sentido, os físicos fazem turnos contínuos de oito horas, mantendo um olhar atento sobre o detector e os seus sistemas de registo de dados. Especialistas em diferentes detectores devem também estar disponíveis (ou ‘on-call’  do inglês) – através de uma linha telefónica, dia e noite – pois qualquer problema que comprometa a aquisição de dados significa que não estamos a fazer o uso correcto das colisões, derrotando todo o propósito da experiência. Em 2017, fui uma dessas especialistas ‘on-call’ do sub-detector ATLAS Forward Proton onde, além de certificar que não havia falhas na recolha de dados, tive a sorte de estar no túnel do LHC para a remoção do sistema de traços com o intuito de quantificar os respectivos danos causados pela radiação.

Figura 3: Pequena fracção do túnel do LHC de 27 quilómetros com os dipólos magnéticos super-arrefecidos
onde os protões circulam a 99.9999991% da velocidade da luz.

Enquanto os dados chegam a um ritmo acelerado num ponto do mapa, físicos de todo o mundo estão ocupados a analisar dados que já foram colectados. Físicos a “queimar os seus neurónios” durante a noite são bastante comuns, mas temos a vantagem adicional de que os institutos que constituem a Colaboração ATLAS abrangem o mundo inteiro. Enquanto os nossos colegas no Japão começam a trabalhar pela manhã, outros nos Estados Unidos da América estão a acabar o dia. Onde quer que estejamos, acordámos sempre para receber e-mails de colaboradores num fuso horário diferente. Portanto, a recolha de dados não pára, bem como as análises e discussões. Além disso, existe uma necessidade constante de estar consciente dos avanços científicos dos teóricos e de outras colaborações, bem como do progresso nas técnicas de hardware e software.  Isto significa que as nossas tardes (e, por vezes, também as manhãs) estão geralmente ocupadas com todos os tipos de reuniões: reuniões de análises de física, reuniões de desempenho do detector e, finalmente, a reunião geral da ATLAS para todos os seus colaboradores. Em tempos pré-pandemia, o público em geral, como estudantes do ensino secundário, era uma presença constante no CERN e grande parte dos nossos investigadores faziam uma pequena pausa nas suas atividades para orientar visitas a diferentes exposições, aceleradores antigos (como o Synchrocyclotron) ou até mesmo à caverna de ATLAS (apenas durante longos períodos de manutenção). Finalmente, no fim da tarde surge a oportunidade de ficar pelo gabinete (ou em casa durante estes dias) para nos concentrarmos no trabalho e incorporar o conhecimento que aprendemos durante o dia (em que a maior parte das vezes consiste na implementação de códigos de programação para a análise de dados).

Figura 4: Visitantes (com o detector ATLAS como fundo) durante os Dias Abertos do CERN em 2019,
onde um total de 4000 pessoas, em dois dias, tiveram a possibilidade de estar na caverna de ATLAS.

O dia-a-dia de um físico de partículas pode ser bastante desafiante com uma ampla variedade de tarefas que precisam de ser cumpridas. No entanto, é sempre verdadeiramente gratificante partilhar a nossa paixão pelo mundo da física e contribuir, mesmo que com uma pequena parte, para a descoberta dos segredos do nosso universo. A forma multidisciplinar como as grandes colaborações, como ATLAS, funcionam, está a mudar a maneira como a ciência é feita. E não, a extensão do CERN em Genebra é muito pequena para conter todas essas actividades!

 

Antena 2 Ciência radio show: https://www.rtp.pt/play/p783/e397866/antena2-ciencia

“Mentes que Brilham” Porto Canal TV show: https://www.facebook.com/watch/?v=486917642207021

European Night of the Researchers 2020: https://youtu.be/r5dXotT1DhE and https://youtu.be/GFoLT5w539s

 

Autora:

Ana Peixoto é aluna de doutoramento no grupo de ATLAS do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP). Tornou-se membro da Colaboração ATLAS em 2015 no contexto do seu mestrado em Física na Universidade do Minho na pesquisa de fenómenos de nova física. Actualmente, continua na Universidade do Minho a trabalhar na sua tese de doutoramento, com foco na pesquisa de novas interações no sector do quark top. Ana também contribuiu para estudos no desempenho do detector ATLAS e está envolvida intensamente nos programas de divulgação de ciência tanto do LIP como de ATLAS..

 

 

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Email: soapboxscience.lisbon@gmail.com

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This article is part of a series of articles prepared by the speakers at the Soapbox Science Lisbon event. The second edition of Soapbox Science Lisbon, to promote women in science, will happen on 23rd of October 2021. Save the date!

 

Working on a collaboration that never sleeps

By Ana Peixoto

The current challenges of the particle physics world increasingly require complex detectors, big amounts of data and, consequently, large collaborations of scientists. The ATLAS Collaboration at the European Organisation for Nuclear Research (CERN) is a great example of such cooperative effort.  I am a member of this collaboration composed of around 5500 people from 103 countries for analysing the data collected by the ATLAS detector at the Large Hadron Collider (LHC). Working in an international laboratory like CERN is incredibly exciting, and I’m not just talking about hunting for New Physics. People in the outside world are endlessly curious about what happens on the sprawling two-kilometre-long site, and I get asked all kinds of questions, ranging from the funny to the profound. This blog post aims to clarify some of these doubts by explaining how our usual quotidian is.

Figure 1: Nationalities of the 5500 members of the ATLAS Collaboration.

Most of the scientists exploring the LHC data have the usual work schedule. However, for engineers directly involved in accelerator or detector operations, or for physicists making sure ATLAS is getting good uninterrupted data, there is simply no such thing as regular working hours! In order to provide the magnetic field strengths needed to bend beams of protons around the ring, the LHC’s 27 km underground tunnel contains super-cooled superconducting magnets that must be maintained at a temperature of -271 °C (colder than outer space!). Therefore, it would be totally inefficient to cool the magnets down each day, besides the fact that several weeks are needed to reach this temperature by the around 1300 magnetic dipoles with a length of 15 meters each that compose the proton accelerator system.

Figure 2: ATLAS detector (and some collaborators for scale) during its construction back in 2008.

The upshot of this is that, once everything is up and running, the proton beams are kept circulating and colliding for as long as possible at different points of the LHC tunnel, being the ATLAS detector ( 46 meters long and with a diameter of 25 meters sitting in a cavern 100 meters below ground) one of them. Throughout the year, 24 hours a day, 7 days a week, the ATLAS control room is inhabited to keep the detector healthy and running. Physicists take turns to do eight-hour shifts, keeping a close eye on the detector and its data recording systems. Experts for different detector systems have to be ‘on-call’ too – at the end of a phone line, day and night – as any problem which compromises data collection or recording means we are not making use of the collisions, defeating the whole purpose of the run. Back in 2017, I was one of these ‘on-call’ experts of the ATLAS Forward Proton sub-detector, making sure that there were no failures during the data taking. And I was so lucky that I also got to go in the LHC tunnel for the removal of the tracker system to quantify the respective damage caused by radiation.

Figure 3: Small fraction of the 27 km LHC tunnel with the super-cooled magnetic dipoles
where the protons travel at 99.9999991% of the speed of light.

Whilst data comes in at a furious pace at one point on the map, physicists all over the world are busy analysing data that has already been collected. Individual physicists burning midnight neurons are all too common, but we have the added benefit that the institutes making up the ATLAS Collaboration span the entire world. While our colleagues in Japan start working in the morning, others in the United States of America are calling it a night. Wherever we are, we always wake up to see emails from collaborators in a different time zone, so not only does the data-taking not stop, neither do the analyses and discussions. Moreover, there is a constant need to be aware of the theorists and other collaborations advancements, as well as the progress on the hardware and software techniques. Meaning that our afternoons (and sometimes also mornings) are usually busy with all kinds of meetings: within the physics team, detector and performance meetings and, finally, the ATLAS general gathering for all members of the collaboration. Back in the pre-pandemic times, the general public, as high school students, was a constant presence at CERN and most of our researchers paused their activities to guide a visit to different exhibitions, old accelerators (like Synchrocyclotron) or even to the ATLAS cavern (during maintenance shutdowns). Finally, the late afternoon gives the opportunity to stay in the office (or at home during these days) to concentrate on the job and incorporate the knowledge we learned during the day, mostly comprising the implementation of programming code for the data analysis.

Figure 4: Visitors (with the ATLAS detector as background) during the CERN Open Days in 2019,
where a total of 4000 people, in two days, had the opportunity to be in the ATLAS cavern.

A day as a particle physicist can be quite challenging with a wide range of duties that need to be performed. Nevertheless, it is always truly rewarding to share our passion for the physics world and contribute, even with a small piece, to the discovery of the secrets of our universe. The multidisciplinary way big collaborations like ATLAS work is changing the way science is done. And no, the CERN site in Geneva is way too small to contain all these activities!

 

Antena 2 Ciência radio show: https://www.rtp.pt/play/p783/e397866/antena2-ciencia

“Mentes que Brilham” Porto Canal TV show: https://www.facebook.com/watch/?v=486917642207021

European Night of the Researchers 2020: https://youtu.be/r5dXotT1DhE and https://youtu.be/GFoLT5w539s

Author:

Ana Peixoto is a PhD student in the ATLAS group of the Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP). She became a member of the ATLAS collaboration in 2015 in the context of her master’s in physics at the Universidade do Minho in the search for new physics phenomena. Currently, she continues in the Universidade do Minho working on her PhD thesis, focusing on new interactions in the top quark sector. Ana also contributed to studies on the detector performance of the ATLAS experiment and is heavily involved in LIP and ATLAS outreach programs.

 

 

 

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