Ser cientista é divertido?
❉ Este artigo faz parte de uma série de artigos preparados pelas nossas colaboradoras da Soapbox Science Lisbon. A segunda edição do evento Soapbox Science Lisbon, para promover as mulheres na ciência, terá lugar no dia 23 de Outubro de 2021. Guardem esta data!
Ser cientista é divertido?
Por Marta Fidalgo
Para responder a uma pergunta sem qualquer dúvida nós, cientistas, costumamos testar hipóteses que depois validá-las (ou não) uma, duas, três vezes. O meu propósito com este artigo é escrever um pequeno ensaio onde vou dar o meu melhor para responder à pergunta “Ser cientista é divertido?”, com base na minha experiência.
De acordo com o science council, a ciência define-se como a procura e aplicação de conhecimento, e o entendimento do mundo natural e social, seguindo uma metodologia sistemática, baseada em evidências. Assim sendo, um cientista é alguém que sistematicamente recolhe e utiliza investigação e evidência, para formular hipóteses e testá-las, para criar e partilhar conhecimento.
Vou reescrever esta definição de uma forma mais romântica: um cientista é alguém que descobre alguma coisa pela primeira vez, produzindo novo conhecimento. Este conhecimento eventualmente vai ter um impacto em vários aspetos da nossa sociedade. Já me parece divertido!
De acordo com a minha experiência, descobrir alguma coisa pela primeira vez é incrivelmente gratificante. É a conjunção de trabalho árduo e convicção. Seguir os nossos instintos e confiar no nosso conhecimento.
A primeira vez que olhei para um resultado das minhas próprias experiências, nem sabia como interpretá-lo. Era o resultado de um “western blot” cuja tradução é, literalmente, borrão ocidental. Olhava para ele de cabeça para baixo e não fazia ideia do que significavam as manchas que estava a ver. Quando a minha orientadora me veio “salvar”, os olhos dela brilhavam e o sorriso estava cada vez maior. Ela olhou para mim e disse: “Isto está de cabeça para baixo, mas sabes o que isto significa? Acabaste de fazer a tua primeira descoberta científica!”. Durante um período de tempo muito curto, depois de descobrirmos alguma coisa pela primeira vez, nós somos a única pessoa que tem essa informação no mundo inteiro! Mesmo quando essa pequena informação que descobrimos não é tão relevante como desejávamos (e vai inevitavelmente levar a novas questões e novas experiências) é sempre algo nosso. E é verdade que era só nosso até decidirmos partilhar com alguém. Quando se é cientista, as discussões com os nossos pares, amigos e família ganham outra dimensão. Estamos sempre à procura de algo, de respostas, de ideias. Tentamos absorver todo o conhecimento à nossa volta que aparece nas mais variadas formas. E depois, digeri-lo uma e outra vez, juntamos as peças e chegamos a uma conclusão (apesar de nem sempre compreendermos o seu significado e impacto). Quando isto acontece, uau, é a mais pura felicidade. Mas não é só pelo saber. É pelo querer saber. É pensar e poder criar maneiras de chegar a saber. É o processo em si que é fascinante.
Exemplo de um resultado de “Western Blot”. O Western Blot é uma técnica muito usada na biologia molecular que permite a deteção de proteínas específicas numa determinada amostra.
As manchas coloridas correspondem ao marcador de peso molecular, que nos permite inferir o tamanho das manchas pretas na membrana. Dependendo do seu tamanho, estas manchas pretas vão corresponder às nossas proteínas de interesse, permitindo concluir se essas proteínas estão ou não presentes na nossa amostra.
No meu caso, por exemplo, é sempre sobre aprender qualquer coisa, quer seja sobre o mundo à minha volta ou sobre mim própria. Durante o meu percurso, tenho vivido verdadeiramente o método científico. Sim, vivido. Aplico-o à minha ciência, na bancada e na secretária, mas também a muitos aspetos da minha vida. Descobri o que gosto e o que mais me fascina usando o método científico. No secundário gostava muito de genética e por isso decidi que ia tirar licenciatura nessa área. Gostava de todas as disciplinas de genética geral que tinha, mas, de repente, qualquer coisa melhor apareceu. O amor pela biologia celular, em particular pela comunicação entre os diferentes tipos de células, especialmente num contexto de cancro. Esta nova paixão provou ser mais forte do que a anterior. No sentido em que eu queria estudar genética mas na sua vertente aplicada. Na ciência, quando surge uma explicação melhor do que a anterior seguimos essa nova explicação. E foi isso que eu fiz. Este exercício é válido também na minha vida pessoal: se eu acho que estou certa sobre alguma coisa e ninguém me conseguir mostrar que estou errada vou manter essa posição, caso contrário mudo de perspetiva. Para mim, esta é a maneira como eu faço ciência mas também a maneira como vivo a minha vida. Não é possível separar as duas.
A preparar diluições de drogas para administrar em peixes-zebra no laboratório de morfogênese vascular, iMM (Lisboa).
A minha vida é incrível. É caótica mas no bom sentido. Às vezes o meu trabalho de laboratório pode começar ainda de madrugada às 4h e acabar às 23h se a experiência o obrigar, mas, no dia a seguir, pode perfeitamente começar às 13h e acabar às 15h. Por isso, planejar com antecedência ou comprometer-me com atividades recorrentes é um desafio. Ainda assim costumo fazê-lo frequentemente. Às vezes, decido ir passar o fim de semana com amigos com 2 dias de antecedência. Sou voluntária na soapbox science e participo em demasiados cursos e conferências (alguns científicos, outros nem por isso). Tenho uma gata e uma casa para cuidar desde os 17 anos. E tenho que coordenar todo este caos com o meu cúmplice, que também é cientista com horários malucos e demasiadas coisas a acontecer, no geral.
Festa de natal no meu instituto, iMM, em Lisboa, em 2018, quando estarmos todos juntos sem máscaras era uma coisa normal.
Se gostam do inesperado, do desafio constante e de serem surpreendidos com tudo e todos à vossa volta, então sim, ser cientista é extremamente divertido. É o que fazemos, mas, para mim, é também o que somos. Nenhum cientista responde à pergunta ‘O que fazes?’ com ‘o meu trabalho é a ciência’ ou ‘faço ciência’. Porque não só fazemos ciência: somos cientistas.
Autora:
Marta Fidalgo completou a sua licenciatura em Genética e Biotecnologia, durante a qual fez um estágio no laboratório de microbiologia molecular, no instituto de investigação e inovação em saúde (i3S). Marta concluiu o seu mestrado em Medicina e Oncologia Molecular na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Como tese de mestrado, Marta desenvolveu um projeto na área de biologia do desenvolvimento no laboratório de morphogénese vascular, no instituto de medicina molecular (iMM). O objetivo deste projeto era perceber como é que os vasos sanguíneos se formam nos pulmões, particularmente depois do nascimento. De momento, Marta ainda está em Lisboa no mesmo laboratório mas interessada em perceber como é que a formação de filopódios é regulada nas células endoteliais. Em setembro, a Marta vai começar uma nova aventura: vai iniciar o seu PhD no laboratório da Mariona Graupera, financiado por um programa ITN Marie Skłodowska-Curie, em Barcelona. Para além de fazer ciência, a Marta adora estar rodeada de pessoas e de ver o mar.
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Email: soapboxscience.lisbon@gmail.com
Em colaboração com:
❉ This article is part of a series of articles prepared by our collaborators from Soapbox Science Lisbon. The second edition of the Soapbox Science Lisbon event, to promote women in science, will happen on 23rd of October 2021. Save the date!
Is being a scientist fun?
By Marta Fidalgo
To answer a question accurately and with no doubt we, scientists, usually test hypotheses that we then validate (or not) again and again. My purpose with this article is to write a short essay where I will try my best to answer the question “Is being a scientist fun?”, based on my experience.
According to the science council, science is defined as the pursuit and application of knowledge and understanding of the natural and social world following a systematic methodology based on evidence. Accordingly, a scientist is someone who systematically gathers and uses research and evidence, to make hypotheses and test them, to gain and share understanding and knowledge.
I will rewrite this definition in a more romantic manner: A scientist is someone who discovers something for the first time (ever!), producing new knowledge, which eventually will have an impact on several aspects of our current society. Already sounds fun to me!
In my personal experience, discovering the answer to a question for the first time is incredibly rewarding. It is hard work together with conviction. It is following your instincts and trust in your knowledge.
The first time that I looked into a result of my own experiments, I could not even read it. It was a “western blot”. I was looking at it upside down and I had no idea what the blots I was looking at meant. When my Supervisor came to the rescue her eyes and smile got wide and wider. She looked at me and told me: “This is upside down, but do you know what this means? You just made your first scientific discovery!”. For a brief period when you discover something for the first time you are the only person that owns that information, in the entire world! Even when the small piece of information that you discovered is not as relevant as you wish (and will mainly lead to new questions and new experiments) it is always something yours. And it is always true that it was yours alone until you decided to share with someone. When you are a scientist the discussions with your peers, friends and family gain a new dimension. You are constantly looking for something, for answers, for ideas. You try to absorb this knowledge around you that comes in the most diverse forms. Then you digest it again and again, piece the pieces together and you reach a conclusion (although sometimes you don’t really understand its meaning and impact). When that happens, whoa, what a bliss. But it’s not just knowing. It is wanting to know. It is thinking and creating ways for knowledge. It’s the process itself that is tantalizing.
Example of a Western Blot result. Western blot is a widely used analytical technique in molecular biology and allows the detection of specific proteins in a sample. The colorful blots correspond to the molecular weight marker, which tells us the size of the black blots in the membrane. Depending on their size, these black blots will correspond to our proteins of interest allowing us to conclude if a certain protein is present in our sample or not.
In my case, for example, it is always about learning something either from the world around you or even learning something about yourself. Throughout my path I’ve been truly living the scientific method. Yes, living. I apply it to my science, on the bench and on the desk, but it is also true for most aspects of my life. I’ve discovered what I like and what fascinates me most using it. In high school I really liked genetics so I decided to graduate in that field. I loved the general genetics subjects but then suddenly something better appeared. The love for cell biology, in particular cell to cell communication, preferably in cancer. This new passion proved itself bigger than the previous one. In the sense that I realized that I wanted to study genetics but applied. In science, when a better explanation than the previous one arises you move down that new path. Therefore, I did. This exercise is also valid in my personal life: if I think that I am right about something and no one can disprove it I will keep that position, in the opposite case I will change my perspective. If you can prove me wrong then I’ll change my perspective. For me, this is both the way I do science and the way I live my life. I couldn’t possibly separate both.
Preparing dilutions of drugs to administer in zebrafish in the vascular morphogenesis laboratory, iMM (Lisboa).
My life is pretty amazing. It’s chaotic in the good sense. My lab work can sometimes start at dawn at 4 am and end at 11pm if an experiment requires it, but, the next day, it can also start at 1pm and end at 3pm. So planning ahead and compromising with recurrent activities it’s a challenge. Nevertheless, I tend to do that frequently. Sometimes, I decide to go on weekend holidays with my friends 2 days in advance. I am a volunteer in soapbox science, and I apply to way-to-many workshops and conferences (some are scientific, but others not really). I have had a cat and my own house to take care of since I was 17 years-old. And I have to coordinate chaos with my own partner in crime, who is also a scientist with crazy schedules and way-to-many of everything.
Christmas party in my institute, iMM, in Lisbon, back in 2018, when being altogether without masks was a normal thing.
If you like the unexpected, the constant challenge and to be surprised by everything and everyone around you, then yes, being a scientist is extremely fun. It is not only what you do but for me it is also who you are. No scientist will reply when you ask that their job is science, that they do science. Because we not only do science: we are scientists.
Author:
Marta Fidalgo completed her bachelor degree in Genetics and Biotechnology, where she did an internship in the Molecular Microbiology lab at Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S). She received a master degree in Molecular Medicine and Oncology from the Faculty of Medicine of Porto’s University. For her master thesis, Marta developed a project in the field of Developmental Biology at Dr. Cláudio Franco ‘s lab, the vascular morphogenesis lab, in Instituto de Medicina Molecular (IMM). The main aim of this project was to understand how blood vessels develop in the lungs, particularly after birth. Currently, Marta is still in Lisbon in the same laboratory but interested in understanding how filopodia formation is regulated in endothelial cells. In September, Marta will begin a new adventure: she will start a PhD in Mariona Graupera‘s lab, funded by an ITN Marie Skłodowska-Curie Programme, in Barcelona. Besides doing science, Marta loves to be surrounded by people and to see the sea.
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