Estreia por estes dias um filme de produção europeia, de título original Proxima (nome de uma missão de longa duração na ISS, de preparação para uma viagem a Marte), e com o feliz título português de O espaço entre nós.

Havia um anúncio televisivo em que surgiam vários indivíduos a realizarem actos heróicos, que suscitavam a admiração dos que os rodeavam. Mas depois aparecia alguém vestido de astronauta, e todas as atenções mudavam de foco. A figura do astronauta remete de facto para alguém capaz de afrontar os maiores riscos para chegar ao espaço e contribuir para o crescimento intelectual da Humanidade (pelo menos por agora; daqui a umas décadas podemos vir a ter no espaço algumas lamentáveis amostras da mesma Humanidade… mais preocupadas com o crescimento das suas contas bancárias).

Mas os astronautas, os reais, não são apenas símbolos, também são pessoas. Pessoas com vidas, com famílias, ligações, sentimentos. Nos últimos tempos, isso parece ter sido reconhecido por quem os tenta retratar na ficção televisiva a fílmica – lembremos uma série que passou há pouco tempo num canal de cabo, The First, em que Sean Penn interpretava um pai que se prepara para uma missão a Marte enquanto tenta manter uma relação minimamente saudável com uma filha cujas opções de vida não jogam bem com as dele.

Tal como no caso deste filme, o tema é o espaço, algo que exerce um fascínio irresistível em quem se esforça para o visitar – mas não se passa longe da Terra, e até tem poucas imagens de foguetões. Tem muito daquilo de que é feita a vida de um astronauta profissional: aprender, trabalhar, reunir, treinar, colaborar, aperfeiçoar as suas capacidades, esperar… e lidar com as peripécias da vida.

Este filme não tem por tema as questões técnicas de uma ida ao espaço. É sim sobre as questões humanas que rodeiam essa actividade. Não tem perseguições de automóveis, nem tiros e explosões. Não é um filme de pipocas. É um filme que levanta questões difíceis, em que vale a pena reflectir.
Imagine que tinha um sonho desde criança. Uma ideia que se fixara na sua mente, mesmo que a sua mãe lhe tivesse dito que aquilo não era coisa para meninas… Ser astronauta. Ir ao espaço, chegar perto das estrelas, avançar para o infinito. Ir mais alto e mais longe. Com grande esforço, consegue enveredar por esse caminho, juntar-se ao grupo dos eleitos… colocar-se na fila para um dia ser escolhida para uma missão.

Mas, repetindo, os astronautas são pessoas, também. A vida acontece. Neste caso, os anos passam e pelo caminho surge uma criança, uma filha que cresce com pais que se separam. A proximidade mãe-filha é grande. Mas um dia surge mesmo a oportunidade que Sarah esperava. Uma missão na ISS; uma missão longa, de preparação para que um dia um ser humano possa colocar um pé em Marte. Uma missão que, para lá do risco, implica deixar a filha para trás.

Assistimos então às dúvidas, ao debate incessante de uma mãe consigo mesma, e às tensões que se revelam no trabalho: formar uma tripulação coesa com dois estranhos, cumprir um árduo programa de treinos, ficar longe da filha, saber que o risco existe.

E, naturalmente, o coração vacila. As dúvidas instalam-se, ajudadas pelo intenso e duro treino.

Poderá aguém saber como reagiria se estivesse naquela situação? Não vale a pena tentar adivinhar. Há coisas que só se revelam quando nos confrontamos com situações concretas. Há quem escolha arriscar e partir, há quem desista e fique. Somos todos humanos. Com toda a certeza, há quem parta mesmo que isso signifique deixar para trás uma boa parte do coração.

O filme presta (nos créditos finais) homenagem a várias pessoas que, numa situação semelhante, mas real, fizeram essa escolha. Pessoalmente, nunca posso deixar de recordar Christa McAuliffe, a professora que seguia a bordo do Challenger naquele 28 de Janeiro de 1986. Christa tinha um filho de nove e uma filha de seis na altura. Tê-los-á abraçado uma última vez com todo o amor antes de partir. Mas a escolha dela era clara. Numa entrevista num programa televisivo, foi isto que disse: “Quando te oferecem um lugar num foguetão, não perguntes se é à janela. Entra e senta-te”.

Por vezes, os títulos dos filmes em português soam um tanto desadequados, ou mesmo ridículos. Outras vezes, nem tanto. E outras vezes ainda acertam em cheio. Este é um desses últimos e raros casos.

O espaço entre nós fala de distâncias, de afastamento. Mas também do Espaço, do sonho, da vontade de chegar mais perto das estrelas. E da necessidade de mostrar às crianças que vale a pena.

Vão ver o filme. Também ele vale a pena.

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