Durante o 234º Encontro da American Astronomical Society, em St. Louis, Allison Kirkpatrick, professora assistente de física e astronomia da Universidade do Kansas, anunciou a descoberta de “quasares frios” – galáxias com abundância de gás frio que ainda podem produzir novas estrelas apesar de terem um quasar no centro. Esta revolucionária descoberta subverte pressupostos sobre a evolução galáctica e pode representar uma fase até agora desconhecida do ciclo de vida das galáxias.

Quasar frio - ilustração
Ilustração de um quasar de energia poderosa que limpou o centro da sua galáxia de gás e poeira, e os ventos estão agora a propagar-se pela vizinhança. Em breve, não haverá mais gás e poeira, apenas permanecerá um quasar azul luminoso. Crédito: Michelle Vigeant.

Um quasar – fonte de rádio quase estelar – é essencialmente um buraco negro supermassivo com uma energia poderosa. O gás que cai em direção a um quasar no centro de uma galáxia forma um disco de acreção que pode lançar uma quantidade inimaginável de energia eletromagnética, com luminosidade que pode chegar a ser centenas de vezes superior à de uma galáxia típica. Em geral, a formação de um quasar corresponde à retirada da vida ativa de uma galáxia, marcando o final da sua capacidade de produzir novas estrelas.

“Todo o gás que vai caindo para o buraco negro está a ser aquecido e a emitir raios-X,” explicou Allison Kirkpatrick. “O comprimento de onda de luz que é emitido diretamente por um objeto relaciona-se com a sua temperatura. Por exemplo, nós, humanos, emitimos luz infravermelha. Mas um objeto que emite raios-X é das coisas mais quentes do Universo. O gás que se acumula no buraco negro começa a mover-se a velocidades relativistas; há também um campo magnético em torno deste gás, que o pode torcer. Tal como temos explosões solares, podemos ter jatos de matéria a seguirem estas linhas do campo magnético e a serem lançados para longe do buraco negro. Estes jatos asfixiam o abastecimento de gás, de tal modo que mais nenhum gás pode cair sobre a galáxia e produzir novas estrelas. Quando uma galáxia deixa de formar estrelas, dizemos que está morta, ou que é passiva.”

Mas na investigação levada a cabo por Kirkpatrick, aproximadamente 10% das galáxias que hospedam buracos negros supermassivos em acreção revelaram ter uma reserva de gás frio remanescente e ainda estar a criar novas estrelas, depois de entrarem nessa fase.

Quasar frio - azul - óptico.
Um quasar azul (óptico), olhando para trás até 7 mil milhões de anos. Em geral, um objeto deste género não teria emissão infravermelha. Créditos: Dark Energy Camera Legacy Survey DR7/NOAO.

“Isto, só por si, é surpreendente,” disse a investigadora. “Toda esta população é um amontoado de objetos diferentes. Algumas galáxias revelam assinaturas muito claras de fusão; outras são muito parecidas com a Via Láctea e têm braços espirais muito evidentes. Outras são muito compactas. Nesta população diversificada, temos 10% com caraterísticas únicas e inesperadas. São fontes muito compactas, luminosas e azuis, aquilo que esperaríamos ver para um buraco negros supermassivo nos seus estágios finais depois de ter extinguido toda a formação de estrelas numa galáxia. Estão a evoluir para galáxias elípticas passivas, mas mesmo assim descobrimos que têm muito gás frio. Esta é a população que designo por ‘quasares frios’.”

Kirkpatrick desconfiou que os “quasares frios” da sua investigação representavam um breve período, ainda não reconhecido, nas fases finais da vida de uma galáxia – numa analogia com a vida humana, esta fase fugaz do “quasar frio” pode ser a festa de despedida da galáxia.

“Estas galáxias são raras porque estão em fase de transição – descobrimo-las mesmo antes da formação de estrelas na galáxia se extinguir, e este período de transição deve ser muito curto,” disse ela.

A investigadora e a sua equipa conseguiram, pela primeira vez, identificar visualmente os quasares na área “Stripe 82” do SDSS (Sloan Digital Sky Survey), o mais detalhado mapa digital do Universo disponível.

“Então, estudámos esta área em raios-X, com o telescópio XMM-Newton,” disse ela. “Os raios-X são a principal assinatura dos buracos negros em crescimento. Depois recorremos ao Telescópio Espacial Herschel, um telescópio de infravermelho longínquo, que pode detetar poeira e gás na galáxia hospedeira. Selecionamos as galáxias que conseguimos encontrar tanto em raios-X como em infravermelhos.”

Galáxia-quasar - poeira.
A emissão de poeira da mesma galáxia. É surpreendentemente brilhante – na verdade, é um dos objetos mais brilhantes na área, indicando muita poeira. Devido à resolução do telescópio, não podemos ver o verdadeiro aspeto desta poeira. Créditos: Herschel/ESA.

Kirkpatrick considera que as suas descobertas dão aos cientistas novos conhecimentos e detalhes sobre como ocorre a extinção da formação de estrelas nas galáxias, derrubando vários pressupostos sobre quasares.

“Já sabíamos que os quasares passam por uma fase muito encoberta onde a poeira está a cercar o buraco negro supermassivo,” disse ela. “Chamamos a essa fase a fase do quasar vermelho. Mas agora descobrimos este regime de transição exclusivo que não conhecíamos. Anteriormente, se disséssemos a alguém que tínhamos descoberto um quasar luminoso com uma cor azul visível, mas que ainda tinha muita poeira e gás e muita formação estelar, logo esse alguém nos diria: ‘Não, não pode ter esse aspeto.”

Kirkpatrick espera determinar em breve se a fase de “quasar frio” acontece apenas numa classe específica de galáxias ou em todas as galáxias.

“Pensávamos ser este o desenrolar do processo: tínhamos um buraco negro em crescimento, coberto por poeira e gás que começava a expelir este material. Tornava-se assim num objeto azul luminoso. Assumíamos que, quando expelisse o seu próprio gás, expelisse também o gás da sua hospedeira. Mas não parece ser este o caso destes objetos. Expeliram a sua própria poeira – de modo que os vemos como um objeto azul – mas ainda não expeliram toda a poeira e gás nas galáxias hospedeiras. Esta é uma fase de transição, de talvez uns 10 milhões de anos. Numa escala de tempo universal não é muito – mas é difícil de observar. Estamos a fazer aquilo a que chamamos uma pesquisa cega para encontrar objetos que não estávamos à procura. E descobrir estes objetos pode implicar que isto acontece com todas as galáxias” explicou a investigadora.

Kirkpatrick recolheu dados até 2015 com o Telescópio XMM-Newton, um telescópio de raios-X operado pela ESA. O seu trabalho faz parte da colaboração Accretion History of AGN (liderada pela astrofísica Meg Urry, da Universidade de Yale), que reúne dados de arquivo e realiza análise em vários comprimentos de onda.

Fonte da Notícia: The University of Kansas

Classificação dos leitores
[Total: 1 Média: 5]