(Tradução de um artigo de Kevin Pimbblet, da Universidade de Hull, para The Conversation)

Desde há muito que os buracos negros são grandes estrelas da ficção científica. Mas a sua fama não deixa de ser um pouco estranha, já que que até agora nunca alguém tinha conseguido ver um. Se é uma daquelas pessoas que precisa de ver para acreditar, então pode agradecer ao EHT (Event Horizon Telescope), que acaba de conseguir a primeira imagem de um buraco negro. Este incrível feito exigiu uma colaboração a nível global para transformar a Terra num gigantesco telescópio e obter a imagem dum objeto a biliões e biliões de quilómetros de distância.

Buraco negro em M87.
Finalmente arrancado das sombras. O buraco negro em M87. Créditos: EHT Collaboration.

Impressionante e inovador, o projeto EHT não é apenas um desafio. É um teste sem precedentes para podermos perceber se as ideias de Einstein sobre a natureza do espaço e do tempo se sustentam em circunstâncias extremas, e pretende observar mais de perto que nunca o papel dos buracos negros no Universo.

E a conclusão é esta: Einstein estava certo.

Captando o que não se consegue captar

Um buraco negro é uma região do espaço com massa tão grande e densa que nem a luz consegue escapar da sua gravidade. Observá-lo contra o pano de fundo negro do cosmos, é uma tarefa quase impossível. Mas graças ao inovador trabalho de Stephen Hawking, sabemos que estas massas colossais não são apenas abismos negros. São capazes de emitir enormes jatos de plasma e além disso a imensa gravidade atrai fluxos de matéria para o seu núcleo.

Quando a matéria se aproxima do horizonte de eventos de um buraco negro – a linha a partir da qual nem mesmo a luz pode escapar – forma um disco orbital. A matéria no disco converte parte da sua energia em fricção por interação com outras partículas de matéria e, tal como aquecemos as mãos esfregando-as uma contra a outra num dia frio, o processo resulta no aquecimento do disco. Quanto mais próxima estiver a matéria, maior a fricção. A matéria que está mais perto do horizonte de eventos brilha intensamente com o calor de centenas de sóis. Foi essa luz que o EHT detetou, juntamente com a “silhueta” do buraco negro.

Produzir a imagem e analisar os dados é uma tarefa incrivelmente difícil. Como astrónomo que estuda buracos negros em galáxias distantes, sei a dificuldade que representa obter a imagem de uma única estrela dessas galáxias, quanto mais ver os buracos negros nos seus centros.

A equipa do EHT decidiu apontar alvos para dois dos buracos negros supermassivos mais próximos – um na grande galáxia elíptica M87, e o outro em Sagitário A*, no centro da Via Láctea.

Como conseguiram os investigadores a primeira imagem de um buraco negro. Créditos: EHT Collaboration.

Só para dar uma ideia da dificuldade da tarefa, o buraco negro da Via Láctea tem massa de 4,1 milhões de sóis, diâmetro de 60 milhões de quilómetros e está à distância de 250.614.750.218.665.392 quilómetros da Terra – o equivalente a viajarmos de Londres a Nova Iorque 45 biliões de vezes. Segundo a equipa do EHT, é quase como estarmos em Nova York a tentar contar os sulcos de uma bola de golfe em Los Angeles, ou estarmos na Terra a observar uma laranja na Lua. (NT: M87, por sua vez, está a 55 milhões de anos luz).

Para fotografar objetos tão impossivelmente distantes, seria preciso um telescópio do tamanho da Terra. Na ausência de uma tal máquina gigantesca, a equipa do EHT ligou telescópios em todo o planeta e combinou os seus dados. A obtenção de uma imagem precisa implicava que os telescópios estivessem estáveis e com leituras completamente sincronizadas.

Para ultrapassar o desafio, a equipa usou relógios atómicos tão precisos que perdem apenas um segundo por cada cem milhões de anos. Os 5000 terabytes de dados recolhidos precisaram de ser armazenados em centenas de discos rígidos e enviados fisicamente para um supercomputador, que corrigiu as diferenças de tempo nos dados e produziu a imagem acima.

Relatividade Geral confirmada

Foi com grande excitação que assisti à transmissão em direto que mostrou pela primeira vez a imagem do buraco negro no centro da M87.

A mais importante troféu é que Einstein estava certo. Mais uma vez. A sua Teoria da Relatividade Geral passou nos últimos anos em dois sérios testes das condições mais extremas do Universo. Aqui, a teoria de Einstein previu as observações de M87 com uma precisão infalível e, ao que parece, é a descrição correta da natureza do espaço, tempo e gravidade.

As medições das velocidades da matéria em torno do centro do buraco negro estão de acordo com a previsão de serem próximas da velocidade da luz. A partir da imagem, os cientistas do EHT determinaram que o buraco negro M87 tem 6,5 mil milhões de vezes a massa do Sol e 40 mil milhões de quilómetros de diâmetro – maior do que a órbita de Neptuno.

O buraco negro da Via Láctea foi desta vez um desafio demasiado grande para a obtenção de uma imagem precisa devido a uma rápida variabilidade na saída de luz. Felizmente, serão em breve adicionados mais telescópios à matriz do EHT, para que se possa obter imagens cada vez mais nítidas destes fascinantes objetos. Não tenho dúvidas de que num futuro próximo iremos poder contemplar o coração negro da nossa Galáxia.

Kevin Pimbblet

 

Fonte da notícia: Phys.org

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