O satélite Gaia encontrou uma enorme galáxia “fantasma” nas vizinhanças da Via Láctea. O objeto massivo foi descoberto nos dados do satélite Gaia da Agência Espacial Europeia (ESA) por uma equipa internacional que inclui astrónomos da Universidade de Cambridge. Antlia 2 (ou Ant 2), como passou a ser designado o objeto, não tinha sido detetado até agora devido à sua densidade extremamente baixa e também à sua localização, já que se encontra escondido atrás do disco da Via Láctea. A equipa publicou hoje online os seus resultados.

Via Láctea, LMC e Ant2.
Da esquerda para a direita: Grande Nuvem de Magalhães, Via Láctea e Antlia 2. Crédito: V. Belokurov based on the images by Marcus and Gail Davies and Robert Gendler.

Ant 2 é uma galáxia anã. À medida que as estruturas foram surgindo no Universo primitivo, as galáxias anãs foram as primeiras a formar-se, e por isso a maioria das estrelas que as compõem são velhas, de baixa massa e pobres em metal. Mas em comparação com as outras galáxias anãs satélite conhecidas, Ant 2 é imensa: é tão grande como a Grande Nuvem de Magalhães (LMC), tendo um terço do tamanho da Via Láctea.

O que torna Ant 2 ainda mais fora do comum é a pouca luz que emite. Em comparação com a LMC, que também é satélite da Via Láctea, Ant 2 é 10 mil vezes mais fraca. Por outras palavras, ou é demasiado grande para a sua luminosidade ou muito fraca para o seu tamanho.

“Estamos perante uma galáxia fantasma”, disse Gabriel Torrealba, principal autor do artigo. “Nunca antes tínhamos visto um objeto tão difuso como a Ant 2. A nossa descoberta só foi possível graças à qualidade dos dados do Gaia.”

A missão Gaia da ESA produziu o mais rico catálogo de estrelas até à data, que inclui medições de alta precisão de aproximadamente 1,7 mil milhões de estrelas e revela detalhes inéditos da nossa galáxia. No início deste ano, o segundo lançamento de dados do Gaia colocou à disposição dos cientistas de todo o mundo novas informações sobre as estrelas da Via Láctea.

Os investigadores deste estudo – de Taiwan, Reino Unido, Estados Unidos, Austrália e Alemanha – procuraram satélites da Via Láctea nos novos dados do Gaia usando estrelas RR Lyrae. Estas estrelas são velhas e pobres em metal, caraterísticas tipo das que se encontram em galáxias anãs. As estrelas RR Lyrae alteram o seu brilho com um período de meio dia e podem ser localizadas graças a estes pulsos bem definidos.

“As RR Lyrae foram encontradas em todas as galáxias satélite anãs conhecidas, por isso, quando descobrimos um grupo destas estrelas localizado acima do disco galáctico, não ficamos totalmente surpreendidos,” disse Vasily Belokurov, do Instituto de Astronomia de Cambridge, coautor do estudo. “Mas quando olhámos com mais atenção para a sua localização no céu, descobrimos algo novo, já que nenhum objeto tinha ali sido previamente identificado nos bancos de dados em que pesquisámos.”

A equipa contactou então colegas do Telescópio Anglo-Australiano (AAT), na Austrália, mas quando estes verificaram as coordenadas de Ant 2, perceberam que tinham uma janela de oportunidades limitada para obter dados de acompanhamento. Conseguiram medir o espectro de mais de 100 estrelas gigantes vermelhas mesmo antes do movimento da Terra à volta do Sol deixar Ant 2 inobservável durante meses.

Os espectros permitiram confirmar que o objeto fantasma era real: todas as estrelas estavam a mover-se em conjunto. Ant 2 nunca se aproxima demasiado da Via Láctea, ficando sempre a uma distância de pelo menos 40 kiloparsecs (cerca de 130 mil anos-luz). Os investigadores foram também capazes de obter a massa da galáxia, que resultou ser muito menor do que o esperado para um objeto deste tamanho.

“A explicação mais simples para Ant 2 ter hoje tão pouca massa é que ela está a ser levada pelas forças de maré da Via Láctea,” disse Sergey Koposov, da Universidade Carnegie Mellon, coautor do estudo. “O que, no entanto, permanece sem explicação é o tamanho gigante do objeto. Normalmente, quando as galáxias perdem massa para as marés da Via Láctea, elas ficam mais pequenas, não crescem.”

Se a remoção de matéria não fez desaparecer a galáxia, então Ant 2 deve ter nascido grande. A equipa precisa ainda de perceber que processo levou a que Ant 2 fosse tão grande. Embora os atuais modelos de formação de galáxias não prevejam objetos com estas caraterísticas de tamanho e luminosidade, tem sido recentemente especulado que algumas anãs podem crescer através de uma vigorosa formação de estrelas. Os ventos estelares e as explosões de supernovas afastariam o gás não utilizado, enfraquecendo a gravidade que une a galáxia e permitindo que a matéria escura se afastasse também.

“Mesmo que a formação de estrelas pudesse alterar a distribuição de matéria escura em Ant 2, deve ter agido com uma eficiência sem precedentes,” disse Jason Sanders, também de Cambridge e coautor.

Em alternativa, a baixa densidade de Ant 2 pode significar a necessidade de modificar algumas propriedades da matéria escura. A teoria atual mais aceite prevê que a matéria escura se acumule nos centros das galáxias. Dada a aparência pouco densa da nova anã, pode ser necessário pensar numa partícula de matéria escura que não goste de se agrupar.

“Comparada com as restantes 60 satélites da Via Láctea, Ant 2 é excêntrica,” observou Matthew Walker, também da Universidade Carnegie Mellon e coautor. “Perguntamo-nos se esta galáxia é apenas a ponta de um iceberg, e se a Via Láctea não estará cercada por uma grande população de anãs quase invisíveis, semelhantes a esta.”

O hiato entre Ant 2 e as restantes galáxias anãs é tão grande que pode indicar que está a faltar alguma física importante nos modelos de formação de galáxias anãs. A resolução do enigma de Ant 2 pode ajudar os investigadores a compreenderem como surgiram as primeiras estruturas do Universo. Descobrir mais objetos como Ant 2 indicará até que ponto estas galáxias fantasmagóricas são comuns, razão pela qual a equipa está empenhada na sua procura nos dados do Gaia.

Fonte da notícia: University of Cambridge 

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