Observações recentes, realizadas com os telescópios espaciais Hubble e Spitzer a planetas semelhantes a Júpiter e extremamente quentes, têm deixado os cientistas perplexos: os espectros desses planetas sugerem composições exóticas e bastante improváveis.

No entanto, foi agora publicado um novo estudo (por uma equipa de investigadores que inclui o astrofísico Michael Line, professor assistente da Universidade do Estado do Arizona) propondo uma explicação. Estes planetas ricos em gás devem ter composições normais, com base no que se sabe sobre a formação de planetas. O que têm de diferente é que as atmosferas nos seus lados diurnos são mais parecidas à atmosfera de uma estrela que à de um planeta.

Júpiter ultra quente WASP-121b
Ilustrações do Júpiter ultra quente WASP-121b que mostram como poderá ser a sua aparência a partir de cinco pontos de vista diferentes, iluminados em diferentes graus pela estrela-mãe. As imagens foram criadas usando uma simulação de computador que ajuda os cientistas a compreender as atmosferas destes planetas ultra quentes. Créditos: NASA/JPL-Caltech/Vivien Parmentier/Aix-Marseille University (AMU).

“A interpretação dos espectros dos mais quentes planetas semelhantes a Júpiter tem sido, durante anos, um enigma espinhoso para os investigadores,” disse Line.

A maior dificuldade tem a ver com o vapor de água, que parece não existir nas atmosferas desses mundos, quando é abundante em planetas semelhantes mas ligeiramente mais frios.

Segundo o novo estudo, os Jupíteres ultra quentes possuem de facto os ingredientes que formam a água (átomos de hidrogénio e oxigénio). Mas devido à forte radiação, nos lados diurnos dos planetas, as temperaturas aumentam o suficiente para que as moléculas de água sejam completamente quebradas, separando-se os elementos.

Os Jupíteres ultra quentes têm orbitas muito próximas às suas estrelas, com um lado do planeta sempre virado para a estrela e o lado noturno sempre na escuridão. As temperaturas diurnas alcançam valores entre os 2000 e os 3000 graus Celsius, o que coloca estes planetas no grupo dos mais quentes que se conhecem. As temperaturas noturnas rondam os 980 graus Celsius.

Híbridos estrela-planeta

No crescente catálogo dos planetas fora do Sistema Solar – exoplanetas – os do tipo Júpiter ultra quente destacaram-se durante uma década como uma classe diferenciada.

“Os lados diurnos destes mundos são autênticos fornos, com atmosferas mais parecidas a uma atmosfera estelar do que a uma atmosfera planetária,” disse Vivien Parmentier, astrofísica da Universidade Aix-Marseille, França, e principal autora do estudo. “Desta forma, os Jupíteres ultra quentes alargam o nosso conhecimento dos planetas.”

Embora certos telescópios, como o Spitzer e o Hubble, possam recolher algumas informações sobre o lado diurno destes planetas, é muito difícil investigar os lados noturnos com os instrumentos atuais.

O estudo propõe um modelo para o que poderá estar a acontecer em ambos os lados destes planetas. O modelo baseia-se em grande parte em observações e na análise de três estudos publicados recentemente (dos quais Parmentier, Line e outros cientistas são coautores) que se concentram em três Jupíteres ultra quentes, WASP-103b, WASP-18b e HAT-P-7b.

O modelo sugere que os fortes ventos provocados pelo aquecimento podem soprar as moléculas de água quebradas para os hemisférios noturnos, mais frios. Aí, os átomos podem recombinar-se em moléculas e condensar-se em nuvens, antes de voltarem para o lado diurno para serem novamente separados.

Semelhança familiar?

Os exoplanetas do tipo Júpiter quente existem em grande quantidade, remontando as primeiras descobertas à década de 1990. São os primos mais frios dos Jupíteres ultra quentes, com temperaturas diurnas abaixo dos 2000 graus Celsius, e provou-se que a água é comum nas suas atmosferas. Por esta razão, quando se descobriram os primeiros Jupíteres ultra quentes, os astrónomos esperavam que estes também revelassem água nas suas atmosferas. Mas a água acabou por estar sempre em falta nos lados diurnos e facilmente observáveis destes planetas, o que levou os investigadores a considerar composições alternativas, e até exóticas.

Uma hipótese para explicar a ausência de água considerava que os planetas se deveriam ter formado com níveis muito altos de carbono em vez de oxigénio. No entanto, essa ideia não conseguia explicar os vestígios de água por vezes detetados na fronteira entre o lado diurno e o noturno.

Para resolver o impasse, a equipa de investigadores do novo estudo seguiu um palpite sugerido por modelos físicos bem fundamentados de atmosferas estelares, bem como de “estrelas falhadas” conhecidas como anãs castanhas, cujas propriedades se sobrepõem um pouco às dos Jupíteres quentes e ultra quentes.

“Insatisfeitos com a hipótese de composições estranhas, debruçamo-nos mais sobre o problema,” disse Line. “Percebemos, então, que em muitas das interpretações anteriores estavam em falta alguns processos chave da física e da química que acontecem a essas temperaturas extremamente elevadas”.

A equipa adaptou um modelo de anã castanha desenvolvido por Mark Marley (um dos coautores do artigo e investigador do Ames Research Center da NASA, Silicon Valley, Califórnia) para o caso dos Jupíteres ultra quentes. Tratando as atmosferas destes planetas mais como as das estrelas quentes que como as dos planetas convencionais, mais frias, conseguiram obter uma maneira de compreender as observações realizadas pelo Spitzer e pelo Hubble.

“Com estes estudos, estamos a trazer algum do conhecimento centenário adquirido pelo estudo da astrofísica das estrelas para o novo campo da investigação de atmosferas de exoplanetas,” disse Parmentier.

“O nosso papel nesta investigação foi pegar nos espectros observados desses planetas e modelar a sua física com cuidado,” explicou Line. “Este procedimento mostrou-nos como produzir os espectros observados usando gases com maior probabilidade de estarem presentes em condições extremas. Estes planetas não precisam de ter composições exóticas nem percursos invulgares para os produzir.”

Este estudo foi publicado na revista Astronomy and Astrophysics.

Fonte da notícia: ASU

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