Uma equipa de astrónomos, da qual fazem parte os investigadores portugueses André Moitinho e Márcia Barros, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, identificou o mais massivo buraco negro estelar descoberto até à data na Via Láctea. Este buraco negro foi detetado em dados da missão Gaia da Agência Espacial Europeia (ESA) através de um movimento de “oscilação” estranho que este objeto impõe à estrela companheira que o orbita. Foram utilizados dados do Very Large Telescope (VLT) do Observatório Europeu do Sul (ESO) e de outros observatórios terrestres para calcular que a massa deste buraco negro é 33 vezes superior à do Sol.

Imagem artística do sistema com o buraco negro estelar mais massivo descoberto até à data na nossa Galáxia.
Imagem artística do sistema com o buraco negro estelar mais massivo descoberto até à data na nossa Galáxia. Créditos: ESO/L. Calçada/Space Engine (spaceengine.org)

Os buracos negros estelares formam-se a partir do colapso de estrelas de grande massa e os anteriormente identificados na Via Láctea são, em média, cerca de 10 vezes mais massivos que o Sol. O buraco negro estelar mais massivo que conhecíamos na nossa Galáxia, Cygnus X-1, atinge apenas 21 massas solares, o que torna esta nova observação de 33 massas solares algo verdadeiramente excecional [1].

Curiosamente, este buraco negro encontra-se também extremamente próximo de nós — a apenas 2000 anos-luz de distância, na constelação da Águia, sendo o segundo buraco negro mais próximo da Terra que conhecemos. Denominado Gaia BH3, ou BH3, foi encontrado quando a equipa analisava as observações de Gaia em preparação para uma próxima publicação de dados. “Ninguém estava à espera de encontrar um buraco negro de grande massa nas proximidades do Sol, que não tivesse sido ainda detetado“, disse Pasquale Panuzzo, membro da colaboração Gaia, astrónomo do Observatório de Paris, do Centro Nacional de Investigação Científica (CNRS) francês. “Este é o tipo de descoberta que se faz uma vez na vida”.

Para confirmar a descoberta, a colaboração Gaia utilizou dados de observatórios terrestres, incluindo o instrumento UVES (Ultraviolet and Visual Echelle Spectrograph) montado no VLT do ESO, no deserto chileno do Atacama [2]. Estas observações revelaram propriedades chave da estrela companheira, que, juntamente com os dados de Gaia, permitiram aos astrónomos medir com precisão a massa de BH3.

Os astrónomos tinham já encontrado buracos negros igualmente massivos fora da nossa Galáxia (utilizando um método de deteção diferente), tendo teorizado que estes objetos poderão ser formados a partir do colapso de estrelas cuja composição química apresente pouquíssimos elementos mais pesados que o hidrogénio e o hélio. Pensa-se que estas estrelas, pobres em metais, perdem menos massa ao longo da sua vida e, portanto, possuem mais matéria, o que dará origem, após a sua morte, a buracos negros de elevada massa. No entanto, e até agora, não existiam provas que ligassem diretamente estrelas pobres em metais a buracos negros de elevada massa.

Comparação de 3 buracos negros estelares da nossa galáxia.
Esta imagem artística compara três buracos negros estelares da nossa Galáxia: Gaia BH1, Cygnus X-1 e Gaia BH3, cujas massas são 10, 21 e 33 vezes superiores à do Sol, respetivamente. Gaia BH3 é o buraco negro estelar mais massivo encontrado até à data na Via Láctea. Os raios dos buracos negros são diretamente proporcionais às suas massas, mas note-se que os buracos negros propriamente ditos não foram diretamente fotografados. Créditos: ESO/M. Kornmesser

As estrelas em pares tendem a ter composições químicas semelhantes, o que significa que a companheira de BH3 contém pistas importantes sobre a estrela que colapsou e formou este buraco negro excecional. Os dados do UVES mostraram que a companheira é uma estrela muito pobre em metais, o que sugere que a estrela que colapsou para formar o BH3 seria também pobre em metais — tal como previsto pela teoria.

Este trabalho de investigação, liderado por Panuzzo, foi publicado a 16 de abril na revista da especialidade Astronomy & Astrophysics. “Resolvemos publicar este artigo com base em dados preliminares a título excecional antes da divulgação completa dos dados Gaia, devido à natureza única desta descoberta“, explica a coautora Elisabetta Caffau, também membro da colaboração Gaia do CNRS Observatoire de Paris. A disponibilização antecipada dos dados permitirá que outros astrónomos comecem a estudar este buraco negro desde já, sem esperar pela publicação dos dados completos, prevista para finais de 2025, na melhor das hipóteses.

Outras observações deste sistema poderão revelar mais sobre a sua história e sobre o próprio buraco negro. O instrumento GRAVITY montado no Interferómetro do VLT do ESO poderá ajudar os astrónomos a compreender melhor este objeto, investigando, por exemplo, se este buraco negro está a atrair matéria da sua vizinhança.

 

NOTAS:

[1] Este não é o buraco negro mais massivo existente na nossa Galáxia — esse título pertence a Sagitário A*, o buraco negro supermassivo situado no centro da Via Láctea, que tem cerca de quatro milhões de vezes a massa do Sol. No entanto, Gaia BH3 é o buraco negro de maior massa conhecido na Via Láctea que se formou a partir do colapso de uma estrela.

[2] Para além do instrumento UVES do VLT do ESO, o estudo baseou-se ainda em dados dos seguintes instrumentos: espectrógrafo HERMES do Telescópio Mercator operado em La Palma (Espanha) pela Universidade de Leuven, Bélgica, em colaboração com o Observatório da Universidade de Geneva, Suíça; espectrógrafo de alta precisão SOPHIE do Observatório de Haute-Provence – OSU Institut Pythéas.

 

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Fontes da notícia: ESO

Adaptação: Teresa Direitinho

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