Dados da Cassini revelam fósforo em Encélado
Usando dados recolhidos pela missão Cassini da NASA, uma equipa internacional de cientistas descobriu fósforo – um elemento químico essencial à vida – preso dentro de grãos de gelo ricos em sal ejetados para o espaço em Encélado.
A pequena lua de Saturno é conhecida por possuir um oceano subterrâneo, e a água desse oceano é lançada como geiseres através de fissuras na crosta gelada do polo sul de Encélado, criando uma pluma ou nuvem. A pluma alimenta o anel E de Saturno (um anel fraco fora dos anéis principais mais brilhantes) com partículas de gelo.
Durante a sua missão no gigante gasoso, de 2004 a 2017, a Cassini voou várias vezes através da pluma e do anel E. Os cientistas descobriram que os grãos de gelo de Encélado contêm uma rica variedade de minerais e compostos orgânicos – incluindo os ingredientes dos aminoácidos – associados à vida tal como a conhecemos.
Até agora, não tinha sido detetado fósforo, o menos abundante dos elementos essenciais necessários para os processos biológicos. O elemento é um bloco de construção do DNA, que forma os cromossomas e carrega informações genéticas, e que está presente nos ossos de mamíferos, membranas celulares e no plâncton que existe nos oceanos. O fósforo é também uma parte fundamental das moléculas transportadoras de energia presentes em toda a vida na Terra. A vida não seria possível sem ele.
“Já tínhamos descoberto que o oceano de Encélado é rico numa variedade de compostos orgânicos”, disse Frank Postberg, cientista planetário da Freie Universität Berlin, Alemanha, que liderou o novo estudo, publicado a 14 de junho, na revista Nature. “Mas este novo resultado revela claramente a assinatura química de quantidades substanciais de sais de fósforo dentro de partículas de gelo lançadas para o espaço pela pluma da pequena lua. É a primeira vez que este elemento essencial foi descoberto num oceano fora da Terra”.
Análises dos grãos de gelo de Encélado realizadas anteriormente revelaram concentrações de sódio, potássio, cloro e compostos contendo carbonato, e os modelos computacionais sugeriram que o oceano subterrâneo tem alcalinidade moderada – todos estes fatores são favoráveis a condições de habitabilidade.
Encélado e mais além
Para este estudo mais recente, os autores acederam a dados do Sistema de Dados Planetários da NASA, um arquivo a longo prazo de dados digitais recolhidos pelas missões planetárias da agência. O arquivo é gerido ativamente por cientistas planetários que ajudam a garantir a sua utilidade e usabilidade pela comunidade mundial de cientistas.
Os autores focaram-se nos dados recolhidos pelo instrumento Cosmic Dust Analyzer da Cassini, que obteve amostras de partículas geladas de Encélado no anel. Quando a Cassini atravessou o anel E de Saturno foram analisadas muitas mais partículas de gelo do que quando passou apenas pela pluma, e os cientistas puderam examinar um número muito maior de sinais de composição. Deste modo, descobriram dentro de alguns desses grãos. altas concentrações de fosfatos de sódio – moléculas de sódio, oxigénio, hidrogénio e fósforo quimicamente ligadas.
Na Europa e no Japão, investigadores da equipa realizaram experiências em laboratório para mostrar que o oceano de Encélado tem fósforo, ligado em diferentes formas de fosfato solúveis em água, e em concentrações pelo menos 100 vezes superiores às dos oceanos do nosso planeta. Foram realizados modelos geoquímicos adicionais que mostraram que a abundância de fosfato também pode ser possível em outros mundos oceânicos gelados no Sistema Solar exterior, em particular, nos formados a partir de gelo primordial contendo dióxido de carbono e onde a água líquida tem fácil acesso às rochas.
“As altas concentrações de fosfato são o resultado de interações entre água líquida rica em carbonato e minerais rochosos no fundo do oceano de Encélado, e podem também ocorrer em vários outros mundos oceânicos”, disse Christopher Glein, cientista planetário e geoquímico da Southwest Research Institute em San Antonio, Texas. “Este ingrediente chave pode ser suficientemente abundante para sustentar vida no oceano de Encélado; esta é uma descoberta impressionante para a astrobiologia”.
Embora a equipa científica esteja entusiasmada com o facto de Encélado ter blocos de construção para a vida, Glein realçou que não foi encontrada vida na lua – ou em qualquer outro lugar do Sistema Solar além da Terra: “Ter os ingredientes é necessário, mas eles podem não ser suficientes para um ambiente extraterrestre hospedar vida. Se a vida poderá ter começado no oceano de Encélado é uma questão que permanece em aberto.”
A missão Cassini chegou ao fim em 2017, com a sonda a incendiar-se na atmosfera de Saturno, mas o tesouro de dados recolhidos continuará a ser um recurso nas próximas décadas. Quando foi lançada, a missão da Cassini pretendia explorar Saturno, os seus anéis e luas. A gama de instrumentos da missão principal acabou por fazer descobertas que continuam a ter impacto em muito mais do que a ciência planetária.
“Esta última descoberta de fósforo no oceano subsuperficial de Encélado preparou o cenário para aquilo que pode ser o potencial de habitabilidade em outros mundos oceânicos gelados em todo o Sistema Solar”, disse Linda Spilker, cientista do projeto Cassini no Laboratório de Propulsão a Jato da NASA, no sul da Califórnia, que não participou no estudo. “Agora que sabemos que muitos dos ingredientes para a vida estão por aí, a questão é: será que existe vida fora da Terra, talvez no nosso Sistema Solar? Sinto que o legado duradouro da Cassini irá inspirar futuras missões que poderão, eventualmente, responder a esta questão.”
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Fonte da notícia: NASA
Tradução: Teresa Direitinho
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