Há milénios que os humanos se fascinam com os mistérios do cosmos.

Ao contrário dos filósofos antigos, que imaginavam as origens do Universo, os cosmólogos modernos usam ferramentas quantitativas para tentar compreender a sua evolução e estrutura. A cosmologia moderna remonta ao início do século XX, com o desenvolvimento da Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein.

Uma imagem do Quinteto de Stephan, um agrupamento visual de cinco galáxias obtido pelo Telescópio James Webb. Créditos: NASA, ESA, CSA, STScI.

Investigadores do telescópio ACT (Atacama Cosmology Telescope) enviaram recentemente para a revista The Astrophysical Journal um conjunto de artigos que apresentam um inovador mapa da matéria escura distribuída por um quarto do céu, estendendo-se em profundidade no cosmos, e que confirma a teoria de Einstein sobre como as estruturas massivas cresceram e curvaram a luz ao longo dos 14 mil milhões de anos de vida do Universo.

O novo mapa usa a radiação cósmica de fundo (CMB – Cosmic Microwave Background) essencialmente como contraluz para esboçar toda a matéria existente entre nós e o Big Bang.

“É um pouco como uma silhueta, mas em vez de termos apenas a sombra, temos texturas e pedaços de matéria escura, como se a luz estivesse a fluir através de uma cortina de tecido com muitos nós e saliências”, disse Suzanne Staggs, diretora do ACT e Professora Henry DeWolf Smyth de Física na Universidade de Princeton. “A famosa imagem azul e amarela da radiação CMB (de 2003) é um instantâneo de como era o Universo há cerca de 13 mil milhões de anos, e o que temos agora dá-nos informações sobre todas as épocas desde então.”

A radiação cósmica de fundo (CMB), luz antiga emitida quando o Universo estava na sua infância, viajou milhares de milhões de anos, testemunhando a formação de estrelas, galáxias e enxames de galáxias. Os campos gravitacionais destes objetos massivos influenciaram o caminho da radiação CMB. À esquerda: o Big Bang; as linhas onduladas ilustram a distorção causada pela matéria escura e pela matéria regular das galáxias; à direita: uma imagem da luz distorcida recebida pelo ACT. No canto inferior esquerdo: o novo mapa da matéria escura feito pela equipa do ACT, uma visualização de toda a matéria no caminho da radiação CMB. As regiões alaranjadas mostram onde há mais massa; as roxas, onde há menos. Créditos: Lucy Reading-Ikkanda / Simons Foundation and the ACT Collaboration.

“É extraordinário podermos ver o invisível, revelarmos este andaime de matéria escura que contém as galáxias visíveis repletas de estrelas”, disse Jo Dunkley, professora de Física e Ciências Astrofísicas, que dirige a análise do ACT. “Nesta nova imagem, podemos ver diretamente a invisível teia cósmica de matéria escura que envolve e liga as galáxias.”

“Normalmente, os astrónomos podem apenas medir a luz, e assim vemos como estão distribuídas as galáxias pelo Universo; mas estas observações revelam a distribuição de massa, por isso, mostram essencialmente como está distribuída a matéria escura no Universo”, disse David Spergel, Professor Charles A. Young de Astronomia (on the Class of 1897 Foundation), na Universidade de Princeton, e presidente da Simons Foundation.

“Mapeámos a distribuição invisível da matéria escura no céu, e é exatamente como preveem as nossas teorias”, disse Blake Sherwin, coautor, que foi aluno de doutoramento em 2013 na Universidade de Princeton e é professor de cosmologia na Universidade de Cambridge, onde lidera um grande grupo de investigadores do ACT. “Estamos perante a impressionante evidência de que compreendemos como se formou, ao longo de milhares de milhões de anos, a estrutura do nosso Universo, desde o período após o Big Bang até hoje.”

E acrescentou: “O extraordinário é que 80% da massa do Universo é invisível. Mapeando a distribuição de matéria escura no céu até às maiores distâncias, as medições de lentes realizadas com a ajuda do ACT permitem-nos ver claramente este mundo invisível.”

Para ver a matéria escura invisível, a equipa observa como a sua gravidade curva a luz, tal como uma lupa distorce a luz que passa através da sua lente. Aqui, um padrão de xadrez simples (à esquerda) é distorcido pelas bolhas roxas antes da imagem ser captada pelo ATC (à direita), resultando na imagem distorcida que se vê à direita. Os astrónomos procuram estes padrões de distorção na luz distante para mapear as distribuições da matéria escura. Créditos: Lucy Reading-Ikkanda/Simons Foundation.

“Quando propusemos esta experiência em 2003, não tínhamos ideia da extensão da informação que poderia ser extraída do nosso telescópio”, disse Mark Devlin, pós-doutorando em Princeton de 1994-1995 e, atualmente, Professor Reese Flower de Astronomia na Universidade da Pensilvânia e vice-diretor do ACT. “Devemos isto à inteligência dos teóricos e técnicos, às muitas pessoas que construíram novos instrumentos para tornar o nosso telescópio mais sensível e às novas técnicas de análise que a nossa equipa criou.” Isto inclui um novo e sofisticado modelo de ruído do ACT criado por Zach Atkins, aluno de Princeton.

Apesar de constituir a maior parte do Universo, a matéria escura tem sido difícil de detetar porque não interage com a luz ou outras formas de radiação eletromagnética. Tanto quanto sabemos, a matéria escura só interage com a gravidade.

Para a detetar, os mais de 160 colaboradores que construíram e recolheram dados do Atacama Cosmology Telescope, da National Science Foundation, situado nos altos Andes chilenos, observaram a luz que se seguiu à formação do Universo, o Big Bang – quando o universo tinha apenas 380.000 anos. Os cosmólogos costumam referir-se a esta radiação de fundo difusa (CMB), que preenche todo o nosso Universo, como a “fotografia do Universo bebé”.

A equipa analisou de que modo a atração gravitacional de estruturas massivas de matéria escura pode defletir a radiação CMB ao longo da sua viagem, de 14 mil milhões de anos, até nós, tal como uma lupa distorce a luz que passa através da sua lente.

“Fizemos um novo mapa da massa usando distorções da luz remanescente do Big Bang”, disse Mathew Madhavacheril, pós-doutorando em Princeton de 2016-2018 e professor assistente de Física e Astronomia na Universidade da Pensilvânia, principal autor de um dos artigos. “Surpreendentemente, fornece medições que mostram que tanto a granulosidade do Universo como a sua taxa de crescimento após 14 mil milhões de anos de evolução são exatamente o que se esperaria do nosso modelo padrão de cosmologia baseado na teoria de gravidade de Einstein.”

“Os nossos resultados dão também uma nova perspetiva sobre um debate permanente ao qual alguns dão o nome de ‘Crise na Cosmologia’”, acrescentou Sherwin. Esta “crise” decorre de medições recentes que usam uma luz de fundo diferente, emitida pelas estrelas nas galáxias, em vez da radiação CMB. Os resultados produzidos sugerem que a matéria escura não era suficientemente grumosa no modelo padrão da cosmologia levando a receios sobre a qualidade do modelo. No entanto, os resultados mais recentes da equipa do ACT avaliaram com precisão que os grandes grumos vistos nesta imagem são do tamanho exato.

“Embora estudos anteriores apontassem para defeitos no modelo cosmológico padrão, as nossas descobertas dão-nos uma nova garantia de que a teoria fundamental do Universo está correta”, disse Frank Qu, principal autor de um dos artigos, que foi investigador visitante em Princeton e é atualmente aluno em Cambridge.

“Se o CMB já é famoso pelas medições incomparáveis do estado primordial do Universo, então, estes mapas de lentes, descrevendo a sua posterior evolução, são algo quase embaraçoso em termos de riqueza”, disse Staggs, cuja equipa construiu os detetores que recolheram estes dados ao longo dos últimos cinco anos. “Temos agora um segundo e muito primordial mapa do Universo. Em vez de uma ‘crise’, acho que estamos perante uma oportunidade extraordinária de usar em conjunto estes diferentes grupos de dados. O nosso mapa inclui toda a matéria escura, desde o Big Bang, e os outros mapas remontam a cerca de 9 mil milhões de anos, dando-nos uma camada muito mais próxima de nós. Podemos compará-los para compreendermos melhor o crescimento das estruturas no Universo. Acho que vai ser muito interessante. O facto de as duas abordagens estarem a obter medições diferentes é fascinante.”

O ACT, que operou durante 15 anos, foi desativado em setembro de 2022. No entanto, devem ser enviados em breve mais trabalhos apresentando resultados do conjunto final de observações, e o Observatório Simons realizará observações futuras no mesmo local, com um novo telescópio que deverá começar a operar em 2024. Este novo instrumento será capaz de mapear o céu quase 10 vezes mais depressa que o ACT.

 

🇬🇧 English version available here

 

Fonte da notícia: Princeton University

Tradução: Teresa Direitinho

Classificação dos leitores
[Total: 0 Média: 0]