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Este artigo faz parte de uma série de artigos preparados pelas nossas colaboradoras da Soapbox Science Lisbon. A segunda edição do evento Soapbox Science Lisbon, para promover as mulheres na ciência, terá lugar no dia 23 de Outubro de 2021. Guardem esta data!

 

Saúde mental: perspetiva de uma jovem cientista

Por Marta Curado Avelar

“O que não te mata, torna-te mais forte”. Esta é uma frase que representa a ideia de que as pessoas desenvolvem a sua resiliência para um próximo evento, depois de passarem por experiências difíceis. Mas tornamo-nos realmente mais fortes? À luz da pandemia da COVID-19, as pessoas estão a tornar-se mais conscientes acerca da importância da saúde mental. Falemos então um pouco sobre o assunto.

Para vos dar o panorama geral, na Europa, os transtornos de saúde mental são 26.6% da totalidade de problemas de saúde1, e só em Portugal existe uma prevalência anual de doenças psiquiátricas de 22.9%2, sendo os transtornos de ansiedade 16.5% desses e as perturbações de humor 7.9%2. Com o número crescente de casos, e especialmente depois deste ano de incerteza, falar e fazer algo sobre saúde mental é uma prioridade. Neste artigo, focar-me-ei na ansiedade na academia.

A ansiedade é normal: é uma resposta a certos eventos que nos permite adaptar às circunstâncias e ficar alerta quando tomamos uma decisão importante. Quem nunca passou por isso? O que é preocupante é quando a ansiedade se torna mais frequente, os sintomas físicos começam a aparecer e o quão pior se pode tornar se não for tratada. Como uma jovem cientista, tenho ainda muito que aprender, mas algo que sempre foi muito claro para mim é que a Ciência não se trata apenas dos resultados. É também sobre as pessoas que os obtêm. Por isso, é essencial que os investigadores se sintam bem – física e psicologicamente – para levar a cabo esta tarefa difícil, mas recompensadora, que é “fazer Ciência”.

Sair da faculdade e entrar no mercado de trabalho pode ser uma fonte de ansiedade: os estudantes podem ser muito protegidos na universidade e sair dessa zona de conforto pode ser intenso. O medo de falhar é também muito comum em recém-licenciados: “Serei bom(boa) o suficiente para fazer isto?”. Além disso, muitas pessoas da minha geração – eu incluída – cresceram com o estereótipo de que “O(A) Cientista” é alguém muito focado que trabalha incansavelmente no laboratório, completamente dedicado(a) ao seu trabalho. Apesar da dedicação e do foco serem qualidades bastante desejáveis num(a) cientista (juntamente com criatividade, resiliência e uma boa dose de paciência), os cientistas são tão humanos como qualquer outra pessoa. Eles também têm as suas vidas pessoais; também têm os seus problemas. Para além de ter uma boa performance no trabalho, lidar com a mudança/problemas pessoais pode ser muito exigente do ponto de vista emocional, e falando como alguém que está a passar por várias mudanças, tenho que dizer: peçam ajuda! Sinto que ainda existem muitas pessoas que pensam que pedir ajuda é um sinal de fraqueza. Pelo contrário: é preciso muita coragem para falar com alguém sobre os seus medos e preocupações, e para se tornar mais vulnerável ao expor os seus sentimentos. Tenho descoberto que o autoconhecimento é uma ferramenta muito importante para lidar com a ansiedade causada pela mudança: conhecer o que despoleta a ansiedade, os nossos comportamentos habituais, e ter mecanismos saudáveis para lidar com a ansiedade.

Trabalhar em laboratório durante a pandemia foi desafiante. Existiram restrições no que toca ao número de pessoas permitidas em salas, equipamento disponível, e com a exceção de experiências urgentes, o trabalho laboratorial foi temporariamente substituído pelo teletrabalho. Lembro-me de estar em casa a ler o máximo que conseguia para a minha tese de Mestrado e a analisar os poucos resultados que tinha na altura. Após dois meses de quarentena, eu e muitos mais estudantes a fazer a tese ao mesmo tempo sentimos a necessidade de sobrecompensar: analisar os resultados mais depressa, ler ainda mais, etc.. Inevitavelmente, isto levou a uma situação de burnout. Todos os dias ouvimos mais e mais notícias de estudantes que sofrem burnout3–5, e precisamos de compreender que é necessário estabelecer limites! Há tempo para o descanso, há tempo para o trabalho. Eu percebo que, quando estamos muito dedicados a um projeto ou a algo que adoramos, seja difícil parar, e às vezes sentimos que não nos podemos dar a esse luxo. Mas deixar a nossa saúde mental deteriorar-se é muito pior. Por isso, quer escolham correr ao fim do dia, pintar, ou viajar para o interior por uns dias, é tempo bem “gasto”. Não é procrastinação, é cuidar da nossa saúde mental para que possamos continuar a fazer aquilo que gostamos.

Alguns dias são mesmo complicados. Nada parece funcionar, as experiências não resultam e após horas e horas a tentar resolver o problema, só nos apetece desistir por um momento. Mas algo que é bastante reconfortante é saber que podemos falar com alguém no final do dia, o que me leva à minha última mensagem: contem com os vossos amigos e família. Bons amigos são uma das coisas mais importantes que podemos levar desta vida, e é tão bom saber que eles estarão sempre disponíveis para nós . Quanto à família, admito que é preciso ter alguma sorte… nem todas as famílias apoiam o trabalho de uma pessoa. Felizmente, sou muito sortuda por ter pais que apoiaram todas as minhas decisões. Apesar de alguns dias parecerem mais sombrios, existem pessoas disponíveis para ouvir, se precisarem de alguém com quem falar: a SOS Voz Amiga e a SOS Estudante são duas linhas portuguesas de apoio emocional concebidas para o efeito.

Para concluir, e numa nota mais pessoal, não pretendo ser nenhuma autoridade no que toca a ansiedade na academia, mas espero que este artigo ajude outras pessoas a perceber que não estão sozinhas. Poderão dizer que existem casos piores (e tenho a certeza que algumas pessoas terão condições mais debilitantes de ansiedade), mas penso que é importante não subestimar aquilo que cada pessoa está a sentir e não fazer as pessoas se sentirem culpadas por experienciar tais sentimentos. Por essa razão (e por tantas mais…), penso que devemos encorajar um discurso aberto sobre a saúde mental na academia e criar mais espaços seguros para a partilha.

  1. Xavier, M., Baptista, H., Mendes, J. M., Magalhães, P. & Caldas-de-Almeida, J. M. Implementing the World Mental Health Survey Initiative in Portugal – rationale, design and fieldwork procedures. Int. J. Ment. Health Syst. 7, 1–10 (2013).
  2. Caldas-de-Almeida, J. M. et al. Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental. (2013).
  3. O Jornal Económico. Burnout. Um em cada três estudantes toma medicação devido aos estudos. (2020). Available at: https://jornaleconomico.sapo.pt/noticias/burnout-um-em-cada-tres-estudantes-toma-medicacao-devido-aos-estudos-542864. (Accessed: 13th June 2021)
  4. Rádio Renascença. Mais de metade dos estudantes do Ensino Superior está em ‘burnout’ académico. (2020). Available at: https://rr.sapo.pt/2020/01/31/pais/metade-dos-estudantes-do-ensino-superior-esta-em-burnout-academico/noticia/180360/. (Accessed: 13th June 2021)
  5. Jornal Expresso. Estudantes em burnout. (2020). Available at: https://expresso.pt/opiniao/2020-02-07-Estudantes-em-burnout. (Accessed: 13th June 2021)

 

Autora:

Marta Curado Avelar é formada em Engenharia Biológica pelo Instituto Superior Técnico. Sendo apaixonada por imunologia, a Marta desenvolveu o seu projeto de Dissertação de Mestrado no laboratório do Dr. Bruno Silva-Santos, no Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes. A sua tese focou-se no desenvolvimento tímico de linfócitos T que expressam o receptor de células T gama-delta (linfócitos T gama-delta). Tendo um grande interesse por comunicação em ciência, a Marta foi uma das voluntárias na primeira edição da Soapbox Science Lisbon, e é agora um dos membros da equipa organizadora. Para além da investigação científica, a Marta adora desporto e música e tem uma grande paixão pela cozinha e pela leitura.

 

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This article is part of a series of articles prepared by our collaborators from Soapbox Science Lisbon. The second edition of the Soapbox Science Lisbon event, to promote women in science, will happen on 23rd of October 2021. Save the date!

 

Mental health: a young scientist’s perspective

By Marta Curado Avelar

“What does not kill you, makes you stronger.”. This is a common statement that represents the idea that people develop their resilience for a next, more painful event, after going through difficult experiences. But do we really become stronger? In the light of the COVID-19 pandemic, people are becoming more aware of the importance of mental health. So, let’s talk a bit about it.

To give you the big picture, in Europe, mental health disorders account for 26.6% of total health problems1, and in Portugal alone there is an annual prevalence for psychiatric disorders of 22.9%2, with anxiety disorders comprising 16.5% of these, and humour perturbations 7.9%2. With the growing number of cases, and especially after this year of uncertainty, talking and doing something about mental health is a priority. In this article, I will focus on anxiety in academia.

Anxiety is normal: it is a response to certain events in order to help us adapt and stay alert when making an important decision. Who has never experienced it? What is worrying is when anxiety becomes more frequent, when physical symptoms appear, and how much worse it can get if not treated. As a young scientist, I have a lot to learn, but one thing was very clear to me from the start: Science is not only about data. It is also about the people doing it. So, it is crucial that researchers feel well – both physically and psychologically – to undergo this difficult but rewarding task of “doing Science”.

Finishing college and starting a new job can be a source of anxiety: students can be very “protected” in university and leaving that comfort zone can be overwhelming. The fear of failing is also very common in recent graduates: “Am I good enough to do this?”.  Additionally, several people of my generation – myself included – grew up with the stereotype that “The Scientist” is a very focused person who works relentlessly in the lab, fully committed to his/her work. Although commitment and focus are very desirable traits in a scientist (along with creativity, resilience, and a good amount of patience), scientists are just as human as everyone else. They also have their personal lives; they also struggle sometimes. Besides performing well at work, dealing with changes/personal issues can be very demanding from an emotional standpoint, and as someone undergoing several changes, I have to say: ask for help! I feel that a lot of people still think that if you ask for help, you are weak. I see this as a completely wrong idea: it takes a lot of courage to talk to someone about your fears, your worries, and to become more vulnerable when you expose your feelings. I have been discovering that self-knowledge is one of the most important skills you can acquire to deal with the anxiety brought by these changes: to know your triggers (what causes anxiety), your usual behaviours (how you used to deal with anxiety), and to have healthy coping mechanisms.

Working in a lab during this COVID-19 pandemic was challenging. There were restrictions in terms of number of people in a room, of available equipment, and with the exception of urgent experiments, wet lab was temporarily substituted by remote work from home. I remember being at home reading as much as I could for my Master Thesis and analysing the few results I had then. After two months of quarantine, I (and so many more students doing their thesis at the same time) felt the need to overcompensate: analyse things faster, read even more, etc. Inevitably, and worsened by the uncertainty brought by the pandemic, this led to a situation of burnout. Everyday, we hear more and more news of students undergoing burnout experiences3–5, and we need to understand that it is essential to set boundaries! There is time to rest, there is time to work. I understand that when we are committed to a project or something very dear to us, it is difficult to let go, and sometimes we feel we cannot afford to do it. But to let our mental health deteriorate is even worse. So, whether you choose to go for a run at the end of the day, painting, or travelling to the countryside for a few days – it is time well spent. You are not procrastinating; you are caring for your mental health so you are still able to do what you like most.

Some days are really tough. Nothing seems to work, experiments are failing, and after hours and hours of troubleshooting, you just want to momentarily quit. But one thing that is very comforting is that you can talk to someone at the end of the day, and this leads me to my last take-home message: rely on your friends and family. Good friends are one of the most important things we have in life and it is so heart-warming to know that they will always be there for you. As for the family, I admit that you have to be lucky… not all families are supportive of one’s job. Fortunately, I was very lucky to have such understanding parents that supported all my decisions. Although some days may seem darker, there are people willing to listen if you need someone to talk to: SOS Voz Amiga and SOS Estudante are two Portuguese emotional help hotlines designed for the purpose.

To sum up, and on a more personal note, I do not mean to be any authority on the subject, but I hope this article helps other people to know that they are not alone. Some may say other people have it worse (and I am sure that there are more debilitating cases of anxiety), but I think it is very important not to underestimate what each person is feeling and not to make people feel guilty for experiencing such feelings. For that reason (and so many more…), I think that we need to encourage an open discourse about mental health in academia and to create more safe spaces for sharing.

  1. Xavier, M., Baptista, H., Mendes, J. M., Magalhães, P. & Caldas-de-Almeida, J. M. Implementing the World Mental Health Survey Initiative in Portugal – rationale, design and fieldwork procedures. Int. J. Ment. Health Syst. 7, 1–10 (2013).
  2. Caldas-de-Almeida, J. M. et al. Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental. (2013).
  3. O Jornal Económico. Burnout. Um em cada três estudantes toma medicação devido aos estudos. (2020). Available at: https://jornaleconomico.sapo.pt/noticias/burnout-um-em-cada-tres-estudantes-toma-medicacao-devido-aos-estudos-542864. (Accessed: 13th June 2021)
  4. Rádio Renascença. Mais de metade dos estudantes do Ensino Superior está em ‘burnout’ académico. (2020). Available at: https://rr.sapo.pt/2020/01/31/pais/metade-dos-estudantes-do-ensino-superior-esta-em-burnout-academico/noticia/180360/. (Accessed: 13th June 2021)
  5. Jornal Expresso. Estudantes em burnout. (2020). Available at: https://expresso.pt/opiniao/2020-02-07-Estudantes-em-burnout. (Accessed: 13th June 2021)

Author:

Marta Curado Avelar completed her MSc. degree in Biological Engineering at Instituto Superior Técnico. As an immunology enthusiast, Marta developed her Master’s Thesis Project at Dr. Bruno Silva-Santos laboratory (Instituto de Medicina Molecular), focused on the thymic development of gamma-delta T lymphocytes. Having a big interest in science communication, Marta worked as a volunteer in the first edition of Soapbox Science Lisbon, and is now a member of the core team. Besides research, Marta is a sports and music addict and has a great passion for cooking and reading.

 

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