Mulheres na Ciência – testemunhos
Parte 3 – Mulheres na Ciência – testemunhos – Carolina Doran
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Esta semana, apresentamos a terceira parte do tema Mulheres na Ciência – testemunhos com a contribuição de Carolina Doran.
Carolina licenciou-se na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, em 2009. Depois de alguns anos como investigadora no Instituto de Patologia Molecular em Viena, obteve o seu Doutoramento numa parceria entre a Escola de Ciências Biológicas da Universidade de Bristol e o Programa Champalimaud para as Neurociências. A sua tese focou-se no comportamento colectivo de colónias de formigas. Desde 2016 que trabalha no IGB, o Instituto Leibniz de Ecologia e Pescas de Água Doce. Foi a responsável por levar a Soapbox Science para Berlim em 2017 e, com o apoio do IGB, já levou mais de 50 oradoras cientistas a apresentarem os seus projectos em público.
Passemos-lhe a palavra:
A minha vida como bióloga passou por diversas fases. Sempre fui um ser humano curioso – e com uma curiosidade que nunca se focou exclusivamente num tema particular, e sim em vários, como a matemática, a genética, a física… fosse o que fosse. Até que, meio por acaso, dei por mim a trabalhar num grupo que investigava o comportamento animal. E pronto, fui fisgada, e fiquei a saber o que queria fazer no resto da minha vida. Desde esse momento, passei todos os dias a trabalhar sobre a inteligência coletiva. Como é que os animais que vivem em grupos funcionam como unidade, que benefícios recolhem do facto de serem muitos, que custos enfrentam? Durante o meu doutoramento, fiquei fascinada pela elegância com que as colónias de formigas tomam decisões em grupo, e com a forma como os indivíduos contribuem para o coletivo. O meu trabalho centrou-se numa espécie particular de formigas, as formigas das pedras, que vivem nas fendas das rochas. Investiguei a forma como colónias e grupos distribuíam a força de trabalho necessária para encontrarem outro lar e se mudarem para ele. Desde então, o meu campo de estudo mudou, e agora centra-se na investigação do desenvolvimento de diferentes padrões coletivos em peixes. Os peixes que estudo atualmente são muito especiais: são todas fêmeas e todas geneticamente idênticas umas às outras, ou seja, são todas clones. Não, não crio clones, estes (ou estas) peixes são clones naturais e permitem-me investigar as contribuições genéticas e ambientais para as variações de comportamento. Apesar de isto ser fantástico, tenho verdadeiramente saudades de trabalhar com formigas (mas não digam nada aos meus colegas dos peixes).
Por azar, ou talvez por sorte (ainda não decidi bem), a minha carreira na ciência está a enfrentar uma diversão interessante. O que se passa é que, para alguns de nós, a paixão e a motivação nem sempre são suficientes e, com grande frequência, as mulheres, as pessoas de cor e os membros das comunidades LBGTQI+ defrontam-se com barreiras bem mais difíceis de ultrapassar do que aquelas com que se defronta a maioria dos homens brancos. O desafio está em reconhecê-las e agir em conformidade. Porque é isto um desafio? Bem, porque a maior parte destas barreiras nascem de preconceitos inconscientes que todos nós temos. Sim, TODOS nós – incluindo eu, e as leitoras e leitores!! Estes preconceitos traduzem-se muitas vezes num tratamento diferenciado para alguns, e no facto de alguns serem mais encorajados do que outros. As mulheres são muitas vezes avaliadas pelo seu aspeto físico em vez de pela sua capacidade científica, também muitas vezes tratadas com condescendência em vez de receberem explicações claras e úteis para as suas questões, e habitualmente vistas como exceções se se mostrarem interessadas em assuntos como modelação e estatística, o que mostra bem como são diferentes as expectativas com base em quem somos e não em que competências temos. Tudo isto pode ter um tremendo efeito na motivação e nos níveis de confiança das mulheres e obstar a que elas consigam exprimir todo o seu potencial. E estamos apenas a falar de mulheres do mesmo grupo étnico – se juntarmos ao problema as questões de “raça”, género e diversidade sexual, as barreiras e preconceitos são ainda mais numerosos.
Da mesma forma que todos somos parte do problema, também todos poderemos beneficiar de mudanças estruturais, porque, independentemente de um de nós encontrar pessoalmente alguma destas barreiras ou não, de fazermos parte de uma minoria ou não, a desigualdade afeta-nos a todos – e na ciência mais ainda! A diversidade de ideias é fundamental para a produção de boa ciência. Mas o que se passa com a diversidade é que ela muito provavelmente já existe, não a podemos evitar, porque somos uma espécie diversa (ainda assim, façam o favor de analisarem os vossos círculos e tomarem consciência de quem lá falta – e, claro, façam o que puderem para os trazerem para o grupo). Mas tudo isto de pouco servirá se não formos inclusivos – se não escutarmos as vozes que chamamos à conversa. Como diz a ativista pela diversidade Vernā Myers, “Diversidade é ser convidado para a festa. Inclusão é ser convidado para dançar.” Não podemos usufruir do poder de um grupo diverso se não estivermos a incluir toda a gente em pé de igualdade no processo científico. Todos nós temos necessidade de formas diversas de apoio, e todos temos os nossos próprios processos – e sabem que mais? Isso é natural. Temos que garantir que a forma como trabalhamos leva em conta a maneira de ser e as necessidades de cada um para ter sucesso. Não seria fantástico se fôssemos capazes de aprender a reconhecer se os nossos preconceitos estão a afetar a forma como tratamos os nossos colegas de trabalho? Imaginem, se em vez de estarmos sempre a competir para conseguirmos mais publicações de grande impacto do que os que nos rodeiam, pudéssemos todos trabalhar juntos para garantir que todo o nosso grupo conseguia mais e desta forma apresentava maiores contribuições para os avanços do nosso campo? O que seria preferível para um Investigador Principal: que todos os elementos do seu laboratório publicassem dois artigos, ou que dois deles publicassem cinco artigos, e os outros nenhum?
Hoje em dia, é para mim evidente, mais do que nunca, que a minha contribuição para a ciência se vai alterar, da investigação dos padrões de comportamento coletivo dos insetos sociais e dos peixes, para o desenvolvimento de ferramentas de mudança estrutural para os seres humanos que trabalham em grupo. Nada me empodera mais do que encontrar soluções que melhorem a dinâmica de grupo e, em consequência, a produção científica; não há maior recompensa do que poder oferecer a alguém a oportunidade de brilhar naquela que é a sua verdadeira paixão. Que não fiquem dúvidas – desta forma, produziremos melhor e mais fiável ciência e, em virtude disso, fortaleceremos a confiança do público no nosso trabalho.
ENGLISH VERSION
Part 3 – Women in Science – testimonials – Carolina Doran
This week we present the third part of the theme “Women in Science – testimonials” with a contribution by Carolina Doran.
Carolina graduated from the Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias in 2009. After working as a research assistant for a few years at the Institute of Molecular Pathology in Vienna, Austria, she conducted her PhD in a partnership between the School of Biological Sciences at the University of Bristol and the Champalimaud Neuroscience Programme. Her dissertation focussed on the collective behaviour of ant colonies. Since 2016 she has been at the IGB (Leibniz-Institute of Freshwater Ecology and Inland Fisheries), initially with an IGB fellowship and then with an Alexander von Humboldt fellowship. Carolina brought Soapbox Science to Berlin in 2017 and with the support of the IGB has been able to host over 50 female speakers and reach over 1500 people.
Let’s give her the floor:
My life as a biologist has gone through several stages. I have always been a curious human – my curiosity never focusing on any one particular thing but rather in many, such as mathematics, genetics, physics… you name it. That is until I found myself accidentally working on an animal behaviour research group. That was it, I was hooked and knew what I wanted to do for the rest of my life. I have spent every day since working on collective intelligence. How animals that live in groups function as a unit, what benefits they reap from being many against the costs? During my PhD I was captivated by the elegance with which ant colonies make decisions as a group and how individuals contribute to the collective. My work focussed on a species of rock ants, named like this not only because they truly rock 🤘, but because they live inside rock crevices. I investigated how both colonies and collectives allocated the necessary work force to find and move to a new home. Since then I have shifted to studying the development of different collective patterns in fish. The fish I am currently studying is a very special fish you see: they are all females and all genetically identical to each other, i.e. they are all clones. No, I am not creating clones myself, these fish are naturally clonal and they allow me to investigate how both genetics and environment contribute to variation in behaviour. Despite all of this awesomeness I really miss working with ants (just don’t tell my fish colleagues).
Unfortunately, or perhaps fortunately (I haven’t quite decided yet), my career in science is coming to an interesting diversion. It turns out that passion and motivation are not always enough for some of us, and more often than not, women, people of colour and members of the LGBTQI+ communities end up facing barriers that are stronger than those most white men face. The challenge is recognising these and changing accordingly. Why is this a challenge? Well, because most of these barriers arise from unconscious biases we all have. Yes, ALL of us – including you and me!! These biases often mean we are not treating everyone the same way and end up being more encouraging to some than others. Women are often judged on their looks instead of their scientific skills, are often patronized instead of being given clear and helpful explanations to their questions and more often than not treated as if they are the exception if they are interested in things such as modelling and statistics, clearly showing how expectations differ based on who you are and not on your skill set. These can have a huge impact in motivation and confidence levels and prevent women from achieving their full potential. And this is just women of the same ethnicity – add in race, gender and sexual diversity and there are even more barriers and prejudices.
The same way we are all part of the problem, we will also all benefit from some structural change, because regardless of whether you personally encounter these barriers or not, regardless of whether you represent a minority or not, inequality affects us all – in science more so than anywhere else! Diversity of thought is key to producing good science. The thing with diversity though, is that it is likely already there, we can’t really avoid it, we are a diverse species (however please do look around your circles and be vigilant of who is missing – and of course do what you can to invite them along). However, it will all be for nothing if we are not inclusive – if we don’t listen to the voices we bring into the conversation. As noted by diversity advocate Vernā Myers, “Diversity is being invited to the party. Inclusion is being asked to dance.” We cannot nurture the power of a diverse group if we are not including everyone to take part equally in the scientific process. We each need different types of support and we each have our own process, and you know what? That is okay. We need to make sure that the way we work accounts for how everyone is and for what everyone needs to succeed. Wouldn’t it be great if we could learn how to recognise if our biases are affecting the way we treat our work colleagues? Imagine if instead of constantly competing to get more and higher impact publications than those around us we could all work together to make sure as a group we all achieve more and thus have a greater contribution in advancing our field? As a Principle Investigator would you not rather have all your lab members publish 2 papers instead of having only 2 members publish 5 and the others none?
Today it is clear to me, more than ever, that my contribution to science will shift from investigating the collective patterns of behaviour in social insects and fish, to developing tools of structural change for humans working in groups. For me there is nothing more empowering than finding solutions that improve group dynamics and scientific output as a consequence; there is no better reward than giving someone the opportunity to shine in their true passions. Have no doubt – this way we will produce better and more reliable science and strengthen the public belief in our work as a consequence.
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