Os Exoplanetas precisarão de continentes e oceanos para formar vida complexa
Quando se trata de procurar vida extraterrestre, os cientistas tendem a ser um pouco geocêntricos – isto é, costumam procurar planetas semelhantes ao nosso. É uma tendência compreensível, já que a Terra é o único planeta que conhecemos onde existe vida. Assim, a procura tem-se centrado em planetas de natureza terrestre (rochosos), com órbitas dentro das zonas habitáveis das suas estrelas e com água em quantidades suficientes à superfície.
Tendo já descoberto vários milhares de exoplanetas, os cientistas perceberam que muitos podem, de facto, ser “mundos aquáticos” (planetas em que até 50% da sua massa é água). Naturalmente, isto levanta algumas questões, como que quantidade de água é excessiva, ou se terra a mais pode também ser um problema. Com vista a encontrar respostas, dois investigadores do CfA (Harvard Smithsonian Center for Astrophysics) realizaram um estudo para determinar de que modo a relação entre as massas de água e de terra pode contribuir para a vida.
O estudo “Dependence of Biological Activity on the Surface Water Fraction of Planets”, que está a ser revisto para publicação no The Astronomical Journal, é da autoria de Manasvi Lingam, pós-doutorando do ITC (Instituto de Teoria e Computação) do CfA, Abraham Loeb, diretor do ITC, e Frank B. Baird Jr., Diretor de Ciência na Universidade de Harvard.
Para começar, Lingam e Loeb abordam a questão do princípio antrópico, que desempenhou um papel importante na investigação em astronomia e exoplanetas. Resumidamente, este princípio diz que se as condições na Terra são adequadas à vida, então ela deve existir para criar vida. Estendendo-o a todo o Universo, o princípio alega que as leis da física existem tal como são para dar origem à vida.
Outra forma de abordar a questão é considerarmos como as nossas avaliações da Terra caem nos “efeitos da seleção da observação” – onde os resultados são diretamente afetados pelo tipo de método envolvido. Neste caso, os efeitos surgem da circunstância da procura de vida para lá Terra e do Sistema Solar requerer a existência de um observador adequadamente posicionado.
Na verdade, tendemos a supor que as condições para a existência de vida são abundantes no Universo porque nos são familiares. Estas implicam a presença de água líquida e de terra, que foram essenciais para o aparecimento da vida tal como a conhecemos. Como Lingam explicou ao Universe Today, esta é uma das vias pelas quais surge o princípio antrópico quando se procuram planetas potencialmente habitáveis:
“O facto de as frações terrestre e hídrica da Terra serem comparáveis é indicativo de efeitos de seleção antrópica, ou seja, o aparecimento de humanos (ou observadores conscientes análogos) pode ter sido facilitado por uma mistura adequada de terra e água.”
No entanto, no estudo das muitas superterras que foram descobertas em outros sistemas estelares, a análise estatística das densidades médias mostra que a maioria possui elevadas frações de voláteis. Um bom exemplo disto é o sistema TRAPPIST-1, onde os modelos teóricos dos seus sete planetas do tamanho da Terra indicaram que poderiam ter até 40-50% de água, em termos de massa.
Estes “mundos aquáticos” terão assim oceanos muito profundos e praticamente nenhuma terra à superfície, o que pode ter consequências drásticas para o aparecimento de vida. Por outo lado, os planetas que têm pouca ou nenhuma água à superfície não são considerados bons candidatos para terem vida, se partirmos do princípio que a água é essencial à vida tal como a conhecemos.
“Demasiada massa terrestre é um problema, pois restringe a quantidade de água à superfície, tornando a maioria dos continentes muito árida,” disse Lingam. “Na Terra, os ecossistemas áridos são tipicamente caracterizados por baixas taxas de produção de biomassa. Mas se considerarmos o cenário oposto (ou seja, os oceanos a dominar), deparamo-nos com um problema latente com o fósforo disponível, que é um dos elementos essenciais para a vida, como a conhecemos. Como resultado, pode haver limitação na quantidade de biomassa.”
Para estudarem estas possibilidades, Lingam e Leob analisaram como pode o excesso de água ou de massa terrestre afetar o desenvolvimento de biosferas em exoplanetas. Lingam explicou:
“Desenvolvemos um modelo simples para estimarmos que fração da terra será árida (desertos) e relativamente inabitável. Para o cenário com as biosferas dominadas pela água, o fósforo disponível torna-se o fator limitante. Aqui, utilizámos um modelo desenvolvido num dos nossos trabalhos anteriores que tem em conta as fontes e sumidouros de fósforo. Combinámos estes dois cenários, usámos dados da Terra como referência e, deste modo, determinámos como as propriedades de uma biosfera genérica dependem da quantidade de terra e de água.”
A conclusão a que chegaram foi que o equilíbrio entre massas de terra e oceanos (muito parecido ao que temos aqui na Terra) é crucial para o surgimento de biosferas complexas. Em combinação com simulações numéricas feitas por outros investigadores, o estudo de Lingam e Loeb indica que os planetas como a Terra, com a sua proporção de oceanos e massa terrestre (aproximadamente 30:70), são provavelmente muito raros.
“Posto isto, a conclusão básica é que o equilíbrio de frações de terra e água não pode pender em demasia para um lado ou outro. O nosso trabalho também mostra que eventos importantes de evolução, como o aumento dos níveis de oxigénio e o surgimento de espécies tecnológicas, podem ser afetados pela fração terra-água e que o valor ideal pode estar próximo ao da Terra,” resumiu Lingam.
Há algum tempo que os astrónomos procuram exoplanetas onde predominem condições semelhantes às da Terra. A abordagem é tida como “a mais fácil”, na qual se tenta encontrar vida procurando bioassinaturas que associamos à vida como a conhecemos. Mas de acordo com este último estudo, descobrir esses lugares não é fácil.
As conclusões do estudo podem ter também implicações significativas na procura de inteligência extraterrestre, indicando que não é algo comum. Felizmente, Lingam e Loeb admitem que não se sabe ainda o suficiente sobre exoplanetas e as suas proporções água/terra para que se possam ter grandes certezas.
“Não é possível, no entanto, prever se isto vai afetar o SETI de forma definitiva,” disse Lingam. “Ainda não temos restrições observacionais adequadas sobre as frações água/terra dos exoplanetas, e ainda há muitas incógnitas no nosso conhecimento atual sobre como evoluíram as espécies tecnológicas (capazes de participar no SETI).”
Precisamos de ser pacientes e de esperar que os astrónomos consigam saber mais sobre os planetas extra-solares e respetivos ambientes. Será certamente possível nos próximos anos, graças aos telescópios de próxima geração, que incluem telescópios terrestres, como o ELT (Extremely Large Telescope) do ESO, e telescópios espaciais, como o Telescópio Espacial James Webb (JWST) – que devem começar a operar, respetivamente, em 2024 e 2021.
Com melhor tecnologia e milhares de exoplanetas agora disponíveis para estudo, os astrónomos começam a migrar do processo de descoberta para o da caracterização. Nos próximos anos, o que aprendermos sobre as atmosferas dos exoplanetas irá provar ou desmentir os modelos teóricos, bem como algumas esperanças e expectativas. Com o tempo, poderemos finalmente ser capazes de determinar até que ponto a vida é abundantes no Universo e que formas ela pode tomar.
Fontes da notícia: Universe Today e Phys.org
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