Uma nova reviravolta na história da matéria escura
Uma nova interpretação dos dados de raios-X de um enxame de galáxias pode ajudar os cientistas numa missão já com décadas: a de determinar a natureza da matéria escura.
Os dados foram obtidos com o Observatório Chandra de Raios-X, da NASA, com o XMM-Newton, da ESA, e com o Hitomi, um telescópio de raios-X japonês. Se a nova explicação for confirmada em observações futuras, pode representar um grande passo em frente no objetivo de compreender a natureza da substância misteriosa e invisível que representa cerca de 85% da matéria no Universo.
“Este resultado tanto pode ser extremamente importante como um total fracasso,” disse Joseph Conlon, da Universidade de Oxford, que liderou o estudo. “Não creio que possa haver um resultado intermédio quando o que procuramos são respostas para uma das maiores questões da ciência.”
A história deste trabalho começou em 2014, quando uma equipa de astrónomos, liderada por Esra Bulbul, do CfA (Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics), em Cambridge, Massachusetts, descobriu um pico de intensidade numa energia muito específica em observações realizadas pelo Chandra e pelo XMM-Newton ao gás quente no enxame galáctico de Perseu.
Este pico, ou linha de emissão, ocorre para a energia de 3,5 keV. A intensidade da linha de emissão de 3,5 keV é muito difícil, senão impossível, de explicar à luz das características previamente observadas ou previstas em objetos astronómicos, pelo que se considerou poder ter origem na matéria escura. Bulbul e a sua equipa também relataram a existência da linha de 3,5 keV no estudo de outros 73 enxames de galáxias realizado com o XMM-Newton.
A ideia de matéria escura tornou-se mais forte quando, apenas uma semana após a equipa de Bulbul ter apresentado o seu estudo, um grupo diferente, liderado por Alexey Boyarsky, da Universidade de Leiden, na Holanda, relatou sinais de uma linha de emissão a 3,5 keV em observações realizadas com o XMM-Newton à galáxia M31 e à vizinhança do enxame de Perseu, confirmando o resultado da equipa de Bulbul.
No entanto, ambos os resultados foram controversos, com outros astrónomos a detetarem depois a linha de 3,5 keV ao observarem outros objetos, e com alguns a não conseguirem detetá-la.
O debate pareceu ficar resolvido em 2016, quando o telescópio Hitomi, projetado em especial para observar detalhes como linhas de emissão no espectro de raios-X de fontes cósmicas, não conseguiu detetar a linha de 3,5 keV no enxame de Perseu.
“Quando o Hitomi não observou a linha de 3,5 keV, esta via de investigação parecia ter terminado,” disse a coautora Francesca Day, também de Oxford. “Mas, pelo contrário, foi aqui que, como em qualquer boa história, ocorreu a reviravolta interessante.”
Conlon e a sua equipa notaram que o telescópio Hitomi tinha muito mais imagens imprecisas que o Chandra, de tal modo que os seus dados do enxame de Perseu são na realidade a mistura de sinais de raios-X de duas fontes: uma delas uma componente difusa de gás quente que envolve a grande galáxia no centro do enxame e a outra a emissão de raios-X proveniente das proximidades do buraco negro supermassivo desta galáxia. A visão nítida do Chandra consegue separar as contribuições das duas fontes, e tirando partido dessa capacidade, Bulbul e a equipa isolaram o sinal de raios-X do gás quente removendo da análise fontes pontuais, incluindo os raios-X provenientes da matéria que existe perto do buraco negro.
Para perceber se esta diferença era importante, a equipa de Oxford voltou a analisar os dados do Chandra obtidos em 2009, relativos à vizinhança do buraco negro no centro do enxame de Perseu. Descobriram algo surpreendente: sinais de um défice em vez de um excedente de raios-X a 3,5 keV. Isto sugere que algo em Perseu está a absorver raios-X nesta energia específica. Quando os investigadores simularam o espectro de Hitomi adicionando esta linha de absorção à linha de emissão do gás quente observada com Chandra e com o XMM-Newton, não encontraram no espectro somado sinais de absorção ou emissão de raios-X a 3,5 keV, o que estava de acordo com as observações do Hitomi.
O desafio é explicar este comportamento: detetar absorção de raios-X ao observar o buraco negro, e emissão de raios-X na mesma energia ao observar o gás quente em ângulos mais amplos e mais afastados do buraco negro.
De facto, tal comportamento é bem conhecido dos astrónomos que estudam estrelas e nuvens de gás com telescópios óticos. A luz de uma estrela rodeada por uma nuvem de gás mostra muitas vezes linhas de absorção produzidas quando a luz estelar de uma determinada energia é absorvida pelos átomos da nuvem de gás. A absorção agita os átomos, de um estado de baixa para alta energia. Os átomos rapidamente voltam ao estado de baixa energia, com a emissão de luz numa energia específica, mas a luz é reemitida em todas as direções, produzindo-se uma perda de luz nessa energia específica – uma linha de absorção – no espectro observado da estrela. Por contraste, a observação de uma nuvem numa direção afastada da estrela detetaria apenas a luz reemitida, ou fluorescente, numa energia específica, que apareceria como uma linha de emissão.
A equipa de Oxford sugere que as partículas de matéria escura podem ser como os átomos, tendo dois estados de energia separados por 3,5 keV. Se assim for, pode ser possível detetar uma linha de absorção a 3,5 keV, quando se observa em ângulos próximos à direção do buraco negro, e uma linha de emissão, quando se observa o gás quente do enxame em ângulos mais amplos e mais afastados do buraco negro.
“Este não é um quadro simples, mas é possível que tenhamos encontrado uma forma de explicar os sinais invulgares de raios-X provenientes de Perseu e também de descobrir alguma pista sobre o que é afinal a matéria escura,” disse Nicholas Jennings, coautor do estudo e também de Oxford.
Para escreverem o próximo capítulo desta história, os astrónomos precisarão de mais observações do enxame de Perseus e de outros semelhantes. O Chandra, o XMM-Newton e futuras missões de raios-X continuarão a observar enxames para tentar resolver o mistério da matéria escura.
O artigo que descreve estes resultados foi publicado na Physical Review D, a 19 de dezembro de 2017.
Fonte da notícia: Chandra
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