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Detetados neutrinos solares produzidos pelo ciclo de fusão CNO

A Colaboração Borexino descreve na revista Nature resultados que permitem ultrapassar um marco na física dos neutrinos. A equipa detetou neutrinos solares produzidos através de um ciclo de reações de fusão nuclear conhecido como ciclo carbono-azoto-oxigénio (CNO). As medições destes neutrinos têm o potencial de resolver incertezas sobre a composição do núcleo solar e oferecem informações cruciais sobre a formação de estrelas pesadas.

O detetor de neutrinos Borexino em combinação com o Sol. Créditos: Borexino Collaboration/Maxim Gromov.

Os neutrinos são partículas minúsculas e subatómicas. A sua existência foi postulada pela primeira vez em 1930 por Wolfgang Pauli para explicar a energia que aparentemente estava em falta durante o decaimento β, um processo no qual são emitidos de um núcleo atómico eletrões energéticos. A presença de uma partícula sem massa que pudesse transportar qualquer fração da energia do decaimento explicaria a continuidade do espectro de energias dos eletrões emitidos. Para Pauli, o porquê de os neutrinos nunca terem sido observados tinha a ver com a particularidade de interagirem de um modo incrivelmente fraco com a matéria.

As décadas de investigação que se seguiram trouxeram imensa informação sobre a “partícula fantasma” de Pauli, incluindo a descoberta – vencedora do Prémio Nobel – de que os neutrinos têm massa, embora tão pequena que esteja para lá do alcance das medições atuais.

As reações de fusão ocorridas no Sol produzem um número surpreendente de neutrinos: cerca de 100 mil milhões de neutrinos solares a cada segundo. Devido à sua fraca interação, pouco ou nada lhes impede o percurso, mesmo quando têm de passar através da Terra.

Os neutrinos são difíceis de observar e ainda assim são capazes de oferecer informação sobre regiões do Universo que de outra forma estariam inacessíveis, como supernovas distantes ou o interior das estrelas. A energia produzida na região central do Sol na forma de fotões leva dezenas de milhares de anos para conseguir escapar, mas um neutrino solar pode escapar do Sol e chegar à Terra em apenas oito minutos, oferecendo-nos uma janela única para o núcleo desta estrela.

O Sol é alimentado por reações de fusão que ocorrem no seu núcleo: no intenso calor deste ambiente altamente pressurizado, os protões fundem-se para formar hélio. Isto ocorre em dois ciclos distintos de reações nucleares. O primeiro é conhecido como cadeia protão-protão (ou cadeia pp) que domina a produção de energia em estrelas do tamanho do Sol. O segundo é o ciclo CNO, que representa cerca de 1% da energia solar, mas domina a produção de energia em estrelas mais pesadas.

A primeira experiência para detetar neutrinos solares foi realizada usando um detetor em Homestake Mine, Dakota do Sul. Usou medições de neutrinos solares da cadeia pp para testar o Modelo Solar Padrão (SSM – Standard Solar Model), que descreve a fusão nuclear no Sol. O surpreendente resultado desta experiência foi que apenas foram detetados cerca de um terço dos neutrinos do tipo (sabor) esperado.

Seguiram-se várias décadas de experiências, procurando resolver este “problema do neutrino solar”. Os resultados do Observatório de Neutrinos de Sudbury, em Ontário, Canadá – vencedores do Prémio Nobel – acabaram por explicar o défice: os neutrinos estavam a mudar de sabor entre a sua produção e deteção. A detetor Borexino, no Laboratório Nacional do Gran Sasso, Itália, fez o seguimento deste resultado com uma análise espectral completa de neutrinos de vários estágios da cadeia pp. Esta análise permitiu finalmente completar o ciclo, reabrindo a possibilidade de usar neutrinos solares como meio de investigar o interior do Sol.

A Colaboração Borexino obteve agora mais uma conquista inovadora: a primeira deteção de neutrinos do ciclo CNO. Este resultado representa um grande salto em frente, oferecendo a oportunidade de resolver o mistério da composição elementar do núcleo solar. Em astrofísica, qualquer elemento mais pesado que o hélio é considerado metal. O teor exato de metal (a metalicidade) do núcleo de uma estrela afeta a taxa do ciclo CNO. Esta, por sua vez, influencia o perfil de temperatura e densidade – e, logo, a evolução – da estrela, bem como a opacidade das suas camadas externas.

A metalicidade e a opacidade do Sol influenciam a velocidade das ondas sonoras que se propagam através do seu volume. Durante décadas, as medições heliossismológicas estiveram de acordo com as previsões do modelo padrão SSM para a velocidade do som no Sol, o que aumentou a confiança no modelo. No entanto, medições espectroscópicas mais recentes da opacidade solar produziram resultados significativamente mais baixos do que se pensava, havendo discrepâncias com os dados heliossismológicos. As medições precisas de neutrinos do ciclo CNO oferecem a única forma independente de investigar essa diferença, ajudando também a perceber melhor a evolução estelar.

Os principais obstáculos para a realização destas medições são a baixa energia e o baixo fluxo de neutrinos CNO e a dificuldade em separar o sinal do neutrino de sinais de fundo, tais como processos de decaimento radioativo. O Borexino deteta a luz produzida quando os neutrinos solares colidem com eletrões num grande tanque de cintilador líquido – um meio que produz luz em resposta à passagem de partículas carregadas. A medição precisa do perfil de energia e tempo da luz detetada permite que a cintilação provocada pelos neutrinos solares seja diferenciada da luz resultante de outras fontes, como a contaminação radioativa no próprio cintilador e nos componentes em volta do detetor.

A Colaboração Borexino levou a cabo, ao longo de vários anos, uma campanha de purificação para garantir níveis baixíssimos de contaminação radioativa no cintilador. Mesmo assim, as pequenas correntes de convecção provocadas por variações de temperatura permitiram que se difundissem contaminantes radioativos das orlas exteriores do detetor. Os investigadores atenuaram este efeito estabelecendo um controlo preciso das variações térmicas no detetor, o que lhes permitiu a proeza de detetar neutrinos CNO. As medições resultantes ainda não são suficientemente precisas para resolver a questão da metalicidade solar, mas abrem caminho em direção a esse objetivo.

Detetores futuros irão tentar melhorar a precisão alcançada pelo Borexino, desenvolvendo métodos inovadores para identificar e excluir ruídos de fundo causados pela contaminação radioativa. Até lá, o fantástico feito conseguido pela Colaboração Borexino aproxima-nos de uma maior compreensão do Sol e da formação de estrelas massivas, e é provável que aponte o caminho a seguir neste campo nos próximos anos.

Fonte da notícia: Nature

Tradução: Teresa Direitinho

 

Neutrino detection gets to the core of the Sun

Writing in Nature, the Borexino Collaboration reports results that blast past a milestone in neutrino physics. They have detected solar neutrinos produced by a cycle of nuclear-fusion reactions known as the carbon–nitrogen–oxygen (CNO) cycle. Measurements of these neutrinos have the potential to resolve uncertainties about the composition of the solar core, and offer crucial insights into the formation of heavy stars.
The Borexino detector in combination with the Sun. Credit: Borexino Collaboration/Maxim Gromov.

Neutrinos are tiny, subatomic particles. They were first postulated to exist by Wolfgang Pauli in 1930, to account for the energy that was apparently missing during β-decay, a process in which energetic electrons are emitted from an atomic nucleus. […] Read the original article at Nature.

 

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