Ao investigar a história do cosmos através de uma grande amostra de galáxias “ativas” distantes observadas pelo XMM-Newton da ESA, uma equipa de astrónomos descobriu que na expansão inicial do Universo pode haver mais do que o previsto pelo modelo cosmológico padrão.

Quasares - ilustração.
Ilustração que mostra quasares (núcleos de galáxias onde um buraco negro supermassivo atrai matéria das vizinhanças a grandes velocidades) localizados a distâncias cada vez maiores. À medida que a matéria cai para o buraco negro, forma um disco giratório que irradia no visível e no ultravioleta; esta radiação, por sua vez, aquece os eletrões próximos, produzindo raios-X. Créditos: ESA (artist’s impression and composition); NASA/ESA/Hubble (background galaxies); CC BY-SA 3.0 IGO).

De acordo com o cenário de maior aceitação, o Universo contém apenas uma pequena percentagem de matéria comum. Um quarto do cosmos é composto por matéria escura, que podemos sentir gravitacionalmente, mas não podemos observar, e a parte restante consiste em energia escura, ainda mais misteriosa, que está a impulsionar a corrente aceleração da expansão do Universo.

Este modelo tem por base uma infinidade de dados recolhidos ao longo das últimas décadas, desde a radiação cósmica de fundo de micro-ondas (CMB) – a primeira luz na história do Universo, emitida apenas 380 mil anos após o Big Bang e observada, com detalhes sem precedentes, pela missão Planck da ESA – até observações a um nível mais “local”. Estas últimas incluem explosões de supernovas, enxames de galáxias e a distorção gravitacional impressa pela matéria escura em galáxias distantes, e podem ser usadas para traçar a expansão cósmica em épocas recentes da história do Universo – ao longo dos últimos nove mil milhões de anos.

Um novo estudo, conduzido por Guido Risaliti, da Universidade de Florença, Itália, e Elisabeta Lusso, da Universidade de Durham, Reino Unido, aponta para outro tipo de marcador cósmico, os quasares, o que irá preencher a parte que falta das observações, medindo a expansão do Universo até há 12 mil milhões de anos.

Os quasares são núcleos de galáxias ativos onde existe um buraco negro supermassivo que atrai a grandes velocidades matéria das vizinhanças, brilhando através do espectro eletromagnético. Quando a matéria cai no buraco negro, forma um disco em espiral que irradia em luz visível e ultravioleta; por sua vez, esta radiação aquece os eletrões próximos, gerando raios-X.

Há três anos, Guido e Elisabeta perceberam que uma conhecida relação entre o brilho no ultravioleta e nos raios-X dos quasares podia ser usada para estimar a distância a que estão essas fontes – algo que normalmente é complicado em astronomia – e, em última análise, para estudar a história da expansão do Universo.

As fontes astronómicas cujas propriedades nos permitem avaliar as suas distâncias são conhecidas por “velas padrão”.

A classe mais notável, as supernovas de “tipo-Ia”, consiste no espetacular desaparecimento das anãs brancas após terem devorado material em excesso de uma estrela companheira, gerando explosões de brilho previsível que permitem aos astrónomos identificar a distância. As observações destas supernovas no final dos anos 90 revelaram a expansão acelerada do Universo nos últimos milhares de milhões de anos.

“A utilização de quasares como velas padrão tem grande potencial, já que podemos observá-los a distâncias muito maiores do que as supernovas de tipo-Ia, e consequentemente usá-los para investigar épocas anteriores da história do cosmos,” explicou Elisabeta.

Com uma amostra considerável de quasares em mão, os astrónomos já colocaram o método em prática, e os resultados são intrigantes.

Investigando o arquivo da XMM-Newton, os astrónomos recolheram dados de raios-X para mais de 7000 quasares, que combinaram com observações ultravioletas do Sloan Digital Sky Survey (SDSS). Usaram também um novo conjunto de dados do XMM-Newton, especialmente obtido em 2017 para observar quasares muito distantes, observando-os tal como eram quando o Universo tinha apenas dois mil milhões de anos. Por último, complementaram os dados com um pequeno número de quasares ainda mais distantes e com alguns relativamente próximos, obtidos respetivamente com os observatórios de raios-X Chandra e Swift da NASA.

“Uma tão grande amostra permitiu-nos examinar com minucioso detalhe a relação entre a emissão em raios-X e ultravioleta dos quasares, o que refinou muito a nossa técnica para estimar a distância,” disse Guido.

As novas observações XMM-Newton de quasares distantes são tão boas que a equipa até conseguiu identificar dois grupos diferentes: 70% das fontes brilham intensamente em raios-X de baixa energia, enquanto as restantes 30% emitem menores quantidades de raios-X caracterizados por energias mais altas. Para a análise posterior, apenas mantiveram o primeiro grupo de fontes, no qual a relação entre as emissões de raios-X e ultravioletas parece mais clara.

“É notável que possamos distinguir este nível de detalhe em fontes tão distantes que a sua luz teve de viajar ao longo de mais de dez mil milhões de anos até chegar a nós,” disse Norbert Schartel, cientista do projeto XMM-Newton da ESA.

Depois de examinarem os dados e reduzirem a amostra para cerca de 1600 quasares, os astrónomos ficaram com as melhores observações, o que tornou possível estimativas mais seguras da distância às fontes e que poderiam usar para investigar a expansão do Universo.

Gráfico de distâncias de objetos astronómicos.
Gráfico que mostra medições da distância a que ficam objetos astronómicos, como supernovas de tipo-Ia (símbolos azuis claros) e quasares (símbolos amarelos, vermelhos e azuis escuros), que podem ser usados para estudar a história da expansão do Universo. Créditos: Courtesy of Elisabeta Lusso & Guido Risaliti (2019).

“Quando combinamos a amostra de quasares, que abrange quase 12 mil milhões de anos de história cósmica, com a amostra a nível mais local de supernovas de tipo-Ia, que cobre apenas os últimos oito mil milhões de anos, encontramos resultados semelhantes nas épocas que se sobrepõem,” disse Elisabeta.

“No entanto, nas fases mais iniciais, que só podemos estudar com quasares, encontramos uma discrepância entre a evolução observada do Universo e o que poderíamos prever com base no modelo cosmológico padrão.”

Examinando este período, anteriormente pouco explorado, da história cósmica com a ajuda dos quasares, os astrónomos revelaram uma possível tensão no modelo cosmológico padrão, que poderá exigir a introdução de parâmetros extra para reconciliar os dados com a teoria.

“Uma das possíveis soluções seria recorrer a uma energia escura em evolução, com uma densidade que aumenta com o passar do tempo,” disse Guido.

Casualmente, este modelo em particular também iria aliviar outra tensão que tem mantido os cosmologistas ocupados nos últimos tempos, em relação à constante de Hubble – a taxa de expansão do Universo. Esta discrepância foi encontrada em estimativas da constante de Hubble no Universo local, com base em dados de supernovas (e, de forma independente, em enxames de galáxias) e com base em observações Planck da radiação de micro-ondas de fundo no Universo primordial.

“Este modelo é bastante interessante porque pode resolver dois enigmas de uma só vez, mas nada ainda é certo e teremos que analisar muitos outros modelos em grande detalhe antes de podermos chegar a uma conclusão,” acrescentou Guido.

A equipa está ansiosa por observar ainda mais quasares de modo a poder refinar ainda mais os resultados. Novas pistas poderão vir da missão Euclides da ESA, com lançamento previsto para 2022, e que irá explorar os últimos dez mil milhões de anos de expansão cósmica e investigar a natureza da energia escura.

“Vivemos tempos muito interessantes para o estudo da história do Universo, e é fantástico que a XMM-Newton possa contribuir observando uma época cósmica que em grande parte se manteve até agora inexplorada,” concluiu Norbert.

Fonte da notícia: ESA

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