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Este artigo faz parte de uma série de artigos preparados pelas nossas colaboradoras da Soapbox Science Lisbon. A segunda edição do evento Soapbox Science Lisbon, para promover as mulheres na ciência, terá lugar no dia 23 de Outubro de 2021. Guardem esta data!

 

A trindade cerebral

Por Amparo Ruiz-Tagle

“Penso, logo existo” pode ser substituído por uma afirmação mais primitiva que faz parte da composição genética de todos os mamíferos: “Sinto, logo existo”.
Jaak Panksepp, fundador da Neurociência Afetiva (ou O Cocegador de Ratazanas).

A ansiedade afeta as nossas funções básicas, tais como dormir, os nossos hábitos alimentares, ou traz problemas gástricos. Como é que uma preocupação afecta as nossas funções autónomas e físicas? De onde vem a ansiedade? Assumindo que evoluímos de outras espécies, podemos identificar estruturas e mecanismos cerebrais que partilhamos com alguns dos nossos antepassados. Por exemplo, funções básicas como o sentido do posicionamento do nosso corpo vêm de muito longe na cadeia evolutiva. Também é partilhado com os nossos antecessores o que o neurocientista Paul MacLean chamou o nosso cérebro límbico, que envolve as estruturas cerebrais que são relevantes para o processamento das emoções.

O modelo do Cérebro Trino, de Paul Mac Lean.

MacLean construiu o seu caminho desde a fisiologia até à saúde mental e seguindo-se ao estudo das emoções. Nos anos 60, criou um esquema anatómico-funcional e chamou-lhe O Cérebro Trino que se tornou muito popular na altura. Actualmente está obsoleto, mas ainda é útil para olhar para as emoções. Neste modelo, o cérebro é composto por três partes: o cérebro reptiliano, o paleomamífero e o neocórtex. A camada reptiliana é responsável pelas nossas funções autonómicas (inconscientes) como a respiração e o estar acordado, e inclui estruturas como o tronco cerebral. O neocórtex ou “neomamífero”, que se desenvolve até a adolescência tardia e a adultez, e que só alguns macacos e humanos têm, corresponde à nossa parte racional e cognitiva. Por último, MacLean referiu-se ao córtex paleomamífero ou límbico como o nosso “cérebro visceral”, que inclui o hipocampo, a amígdala e o giro cingulado. É a ligação intermédia, comunicando e recebendo contributos da nossa camada reptiliana, bem como do neocórtex.

Nos anos 90 a sua teoria estava desactualizada, considerada reducionista e uma mera simplificação da forma como o cérebro funciona. Por muito ultrapassado que esteja, é digno de nota a forma como alguns dos críticos deste modelo o atacaram a partir daquilo a que podemos chamar uma perspectiva “dualista” de cognição vs. emoção. Por exemplo, como um autor afirmou numa importante revista científica, o que é que o hipocampo tem a ver com emoções? Para este autor, o facto do hipocampo ter um papel reconhecido no processo cognitivo da memória, seria motivo suficiente para dizer que não poderia estar relacionado com os processos emocionais.

Mas agora sabemos que o hipocampo, o local onde aprendemos novas informações, está anatomicamente relacionado com as amígdalas, que nos advertem contra situações perigosas (aqui uma breve explicação do neurocientista Joseph LeDoux). E isto faz sentido porque se sobrevivemos a uma situação perigosa, lembrarmo-nos do tempo, lugar e circunstâncias que a causaram permitirá evitá-la no futuro. Isto também explica porque nos lembramos melhor das más experiências do que das boas: infelizmente, a nossa sobrevivência depende de tais memórias. O medo é a emoção cujos circuitos estão subjacentes à ansiedade. Uma canção da banda de LeDoux chamada The Amygdaloids (vejam só!) explica muito bem esta emoção. À medida que todo o nosso corpo se alinha com a reação de luta ou fuga, a nossa atenção, os nossos sentidos, os nossos músculos reagem em conformidade. É por isso que um estado crónico de medo pode ser prejudicial. Esta não é uma emoção que deva perdurar muito tempo, quer como presa ou caso tenha escapado. Porque hoje em dia, em geral, não temos tanta probabilidade de ser comidos, mas sentimos medo ou ansiedade quando o nosso bem-estar é ameaçado, o que pode durar por longos períodos de tempo.

Sabemos agora que o cérebro funciona dinamicamente, não em camadas, como MacLean previa. Mas o pensamento fundamental do cérebro como um órgão complexo que envolve funções básicas e superiores, que estão entrelaçadas, permanece. Somos incapazes de suprimir algumas das funções básicas que serviram um propósito em algum momento da nossa evolução, como espécie ou como pessoa (os bebés choram de desconforto para comunicar uma necessidade básica que tem de ser satisfeita). Isto não significa que tenhamos de obedecer a todos os impulsos básicos: somos capazes de raciocinar, planear o futuro e imaginar possíveis realidades que não existem. Mas, quando dói um dente ou quando se tem fome, como estará o seu estado de espírito? A concentração ou a tomada de decisões são definitivamente afectadas, mesmo que não estejamos plenamente conscientes disso. Para dar apenas um exemplo, há um estudo interessante que observou como, antes da hora do almoço, a maioria dos julgamentos nos tribunais de liberdade condicional eram menos favoráveis, implicando que os seus veredictos eram negativamente afetados quando se aproximavam as pausas para o almoço.

Perceber estas dinâmicas do cérebro pode ajudar a compreender-nos a nós próprios e aos nossos vizinhos, e talvez a sermos mais empáticos, mais gentis com o nosso corpo e não ligar os nossos pensamentos punitivos e exigentes. O medo existe para a nossa sobrevivência, e é daí que vem a ansiedade, pelo que nos pode ajudar a adaptarmo-nos quando confrontados com situações ameaçadoras ou difíceis. Talvez se em vez de nos sentirmos culpados pela ansiedade que sentimos ou tentar suprimi-la como se fosse algum agente exógeno ou vírus, e lembramo-nos das suas origens, podemos aprender com os seus sinais e poderá servir de ajuda.

 

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This article is part of a series of articles prepared by our collaborators from Soapbox Science Lisbon. The second edition of the Soapbox Science Lisbon event, to promote women in science, will happen on 23rd of October 2021. Save the date!

 

The brainly trinity

By Amparo Ruiz-Tagle

“I think, therefore I am” may be superseded by a more primitive affirmation that is part of the genetic makeup of all mammals: “I feel, therefore I am.”
Jaak Panksepp, founder of Affective Neuroscience (or The Rat Tickler).

Anxiety affects us in our basic functions such as sleep, our eating habits, or bringing us gastric problems. How come a concern or worry affects our autonomic and physical functions? Where does anxiety come from? Assuming that we evolved from other species, we can identify brain structures and mechanisms that we share with some of our ancestors. For example, basic functions such as the ability to know our body posture, come from far away in the evolution chain. And so is what the neuroscientist Paul MacLean called our limbic brain, which involves the brain structures that are relevant for emotion processing.

The Triune Brain model by Paul Mac Lean.

MacLean built his path from physiology to mental health and then to the study of emotions. In the 60’s, he created an anatomic-functional schematic and named it The Triune Brain, which became very popular at the time. Although this model is now obsolete, it still serves its purpose in looking at emotions. In this model the brain is composed of three parts: the reptilian, the paleomammalian and the neocortex. The reptilian layer is the oldest in evolution, responsible for our autonomic (unconscious) functions such as breathing and being awake, and it includes structures such as the brainstem. The neocortex or “Neomammalian”, which develops till late in adolescence and young adulthood, and that only certain apes and humans have, corresponds to our rational and cognitive part. Lastly, MacLean referred to the paleomammalian or limbic cortex as our “visceral brain”, which includes the hippocampus, amygdala and cingulate gyrus. It is the in-between-link, communicating and receiving inputs from the reptilian and neocortical layers.

By the 90’s his theory was out of date, considered to be reductionist and a mere simplification of how the brain works. Superseded as it may be, it is noteworthy how some of the critics to this model attacked it from what we can call a “dualist” perspective of cognition vs emotion. For example, as one author claimed in an important scientific journal, what does the hippocampus have to do with emotions? For this author the fact that the hippocampus is involved in the cognitive process of memory, was a good enough reason for it to be ruled out of emotion processing.

But now we know that the hippocampus, where new information is first registered, is anatomically related to the amygdalas, which warns us against potential risks (here is a short explanation from the neuroscientist Joseph LeDoux). And this makes sense because if we survive a dangerous situation, it helps our adaptive capacity if we can remember the specific time, place, and circumstances so as to avoid them in the future. This also explains why we remember bad experiences better than good ones: sadly, our survival relies on such memories. Fear is the emotion whose circuitry underlies anxiety. A song by LeDouxs’ band called The Amygdaloids (check it out!) explains this emotion pretty well. As our whole body gets in line with the fight or flight reaction, our attention, our senses, our muscles react accordingly. That is why a chronic state of fear can be harmful. This is not an emotion that is supposed to last for long, either you were the prey or escaped. Because nowadays in general we are not so likely to be eaten but we experience fear or anxiety when our well-being is threatened, it can last for long periods of time.

We know now that the brain works dynamically, not in layers as MacLean envisioned. But his fundamental thought of the brain as a complex organ involving basic and superior functions, which are intertwined, remains. We are unable to suppress some basic functions that served a purpose at some point of our evolution, as a species or as a person (babies cry out of discomfort to communicate that a basic need has to be fulfilled). This doesn’t mean we have to obey every basic impulse: we are capable of reasoning, planning into the future and imagining possible realities that do not exist. But, when a tooth hurts or when you are hungry, how is your mood? Concentrating or making decisions are definitely affected, even if we are not fully aware. To give just one example, there is an interesting study that observed how before lunchtime most judgment trials in a parole court were less favorable, implying that their verdicts were negatively affected when approaching lunch breaks.

Grasping these dynamics of the brain can help us understand ourselves and our neighbors, and maybe be more empathetic, more gentle to our bodies and to our punishing demanding thoughts. Fear exists for our survival, and that’s where anxiety comes from, so it can help us to adapt when confronted to threatening or difficult situations. Maybe if instead of feeling guilty about anxiety or trying to suppress it as if it was some exogenous agent or virus, we remember its origins, we can learn from its signals and it can be of help.

 

 

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