Os astrónomos descobriram provas que indiciam o autor de um homicídio cósmico: trata-se de um buraco negro pertencente a uma classe muito difícil de encontrar, conhecida como classe de “massa intermédia”. O culpado revelou a sua existência ao destruir uma estrela errante que passou muito perto.

Ilustração que mostra um homicídio cósmico em ação. Uma estrela errante está a ser destruída pela intensa atração gravitacional de um buraco negro com dezenas de milhares de massas solares. Os restos estelares formam um disco de acreção à volta do buraco negro. As emissões de raios-X do disco de gás superaquecido alertaram os astrônomos para a localização do buraco negro, que de outra forma permaneceria desconhecido na escuridão. O objeto é classificado como um buraco negro de massa intermédia (IMBH), pois é muito menos massivo que os monstruosos buracos negros que habitam os centros das galáxias. Os IMBHs são basicamente inativos porque não atraem muito material e por isso são difíceis de encontrar. As observações do Hubble mostram que este IMBH reside num denso enxame de estrelas. O enxame poderá ser o núcleo despojado de uma galáxia anã. Créditos: NASA, ESA and D. Player (STScI).

Com cerca de 50 mil vezes a massa do Sol, este buraco negro é mais pequeno que os buracos negros supermassivos (com milhões ou milhares de milhões de massas solares) que se encontram nos núcleos das grandes galáxias, mas é maior que os buracos negros de massa estelar formados pelo o colapso de uma estrela massiva.

Estes buracos negros de massa intermédia (IMBHs – do inglês intermediate-mass black holes) constituem um elo em falta, há muito procurado, na evolução dos buracos negros. Embora tenha havido alguns outros candidatos a IMBH, os investigadores consideram que estas novas observações são até agora a mais forte evidência para este tipo de objetos no Universo.

Para captar esta besta cósmica, foi necessário combinar o poder de dois observatórios de raios-X e do Telescópio Espacial Hubble.

Créditos do Vídeo: NASA’s Goddard Space Flight Center.

“Os buracos negros de massa intermédia são objetos muito difíceis de detetar e, por isso, para cada candidato, é fundamental considerar e descartar cuidadosamente outras possíveis explicações. Foi isso que o Hubble nos permitiu fazer,” disse Dacheng Lin, da Universidade de New Hampshire, principal investigador deste estudo cujos resultados foram publicados a 31 de março de 2020 na revista The Astrophysical Journal Letters.

A história da descoberta pode comparar-se a um episódio de Sherlock Holmes, envolvendo uma meticulosa investigação passo-a-passo para apanhar o culpado.

Lin e a sua equipa usaram o Hubble para seguir as pistas de raios-X dos observatórios Chandra (NASA) e XMM-Newton (ESA). Em 2006, estes satélites detetaram uma poderosa explosão de raios-X, mas não conseguiram determinar se ela tinha tido origem dentro ou fora da nossa galáxia. Os investigadores atribuíram a explosão a uma estrela a ser despedaçada depois de se aproximar de um objeto compacto gravitacionalmente poderoso, como um buraco negro.

Surpreendentemente, a fonte de raios-X (3XMM J215022.4-055108) não se localizava no centro de uma galáxia, onde normalmente residem os buracos negros mais massivos. Este pormenor gerou a esperança de o culpado poder ser um IMBH, mas primeiro foi necessário descartar outra possível fonte de emissão de raios-X: uma estrela de neutrões, na Via Láctea, a arrefecer depois de ter sido aquecida a uma temperatura muito elevada. As estrelas de neutrões são o que resta de uma grande estrela que explodiu.

O Hubble foi então apontado para a fonte de raios-X com o objetivo de resolver com precisão a sua localização. As imagens profundas e de alta resolução conseguidas são uma forte evidência de que os raios-X tiveram origem não numa fonte isolada da nossa galáxia, mas num enxame estelar denso e distante nas imediações de outra galáxia – exatamente o tipo de lugar em que os astrónomos têm esperado encontrar IMBHs. Pesquisas realizadas anteriormente pelo Hubble mostraram que a massa de um buraco negro no centro de uma galáxia é proporcional ao bojo central da galáxia hospedeira. Por outras palavras, quanto mais massiva é a galáxia, mais massivo é o seu buraco negro. Assim sendo, o enxame estelar que abriga 3XMM J215022.4-055108 pode ser o núcleo despojado de uma galáxia anã de massa baixa que foi gravitacionalmente afetada por interações próximas com a atual galáxia hospedeira de maior tamanho.

Esta imagem do Hubble permitiu localizar 3XMM J215022.4-055108, um buraco negro de massa intermédia, com 50 mil massas solares, indicado pelo círculo branco. A imagem profunda e de alta resolução mostra que o buraco negro reside num denso enxame de estrelas para lá da Via Láctea. O enxame situa-se na vizinhança da galáxia que se vê no centro da imagem. Espalhadas pela imagem surgem ainda outras galáxias de fundo com aparência muito menor, incluindo uma espiral logo acima da galáxia em primeiro plano. A foto foi obtida com a Advanced Camera for Surveys do Hubble. Créditos: NASA, ESA and D. Lin (University of New Hampshire).

Os IMBHs têm sido particularmente difíceis de encontrar porque são mais pequenos e menos ativos que os buracos negros supermassivos; não têm fontes de combustível sempre à disposição, nem uma força gravitacional suficientemente forte para atrair estrelas e outros materiais cósmicos que possam produzir raios-X reveladores. Os astrônomos precisam de os descobrir em flagrante, no ato de devorar uma estrela. Para encontrarem um candidato a IMBH, Lin e a sua equipa tiveram de pesquisar no arquivo de dados do XMM-Newton centenas de milhares de observações.

O brilho em raios-X da estrela despedaçada permitiu aos astrónomos estimar a massa do buraco negro: 50 mil massas solares. Esta massa foi estimada com base na luminosidade dos raios-X e na forma espectral. “Este método é muito mais fiável do que se tivéssemos usado apenas a luminosidade dos raios-X, como foi em geral feito anteriormente para outros candidatos a IMBH,” disse Lin. “Podemos usar os ajustes espectrais para estimar a massa do nosso objeto porque a sua evolução espectral mostrou que ele estava no estado espectral térmico, um estado muitas vezes observado e bem compreendido na acreção de buracos negros de massa estelar.”

Este objeto não é o primeiro a ser considerado um candidato provável a IMBH. Em 2009, o Hubble uniu-se ao observatório Swift da NASA e ao XMM-Newton da ESA para identificar o objeto HLX-1, localizado na extremidade da galáxia ESO 243-49, que é interpretado como IMBH. Está também no centro de um jovem e massivo enxame de estrelas azuis que pode ser o núcleo despojado de uma galáxia anã. Os raios-X provêm de um disco quente de acreção em torno do buraco negro. “A principal diferença é que o nosso objeto está a despedaçar uma estrela, o que nos dá provas de que se trata de um buraco negro massivo, e não um buraco negro de massa estelar, já que as pessoas põem muitas vezes em causa os candidatos anteriores, incluindo HLX-1,” disse Lin.

A descoberta deste IMBH abre a porta para a possibilidade de detetarmos muitos outros, que permanecem na escuridão, à espera de serem revelados com a ajuda de uma estrela que passe bem perto. Lin planeia continuar o seu meticuloso trabalho de detetive, usando os métodos que a sua equipa já provou serem bem-sucedidos. Há ainda muitas questões à espera de resposta. Será que um buraco negro supermassivo cresce a partir de um IMBH? Como se formam os IMBHs? Serão os enxames densos de estrelas o seu habitat preferido?

Fonte da notícia: NASA

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