Dados de radar recolhidos pela Mars Express da ESA apontam para a existência de um lago de água líquida sob camadas de gelo e poeira na região polar sul de Marte.

Os sinais do passado aquático do planeta vermelho são visíveis em toda a sua superfície, na forma de vastos vales fluviais e gigantescos canais secos, que foram fotografados por satélites em órbita. Estes, juntamente com as sondas e rovers que exploram a superfície marciana, descobriram também minerais que só se puderam formar na presença de água líquida.

Água no subsolo de Marte
A área de estudo surge na imagem da esquerda. As impressões do radar na superfície estão na imagem ao centro, para múltiplas órbitas; o fundo cinzento destaca a topografia e as impressões estão codificadas por cores, conforme intensidade do sinal de radar refletido; a grande área azul junto ao centro corresponde ao sinal brilhante. À direita, mostra-se um perfil de radar subsuperficial para uma das órbitas de Marte; a zona horizontal brilhante no topo representa a superfície gelada; os depósitos em camadas do polo sul estão a uma profundidade de cerca de 1,5 km; por baixo, fica uma camada que em algumas áreas (azul) é ainda mais brilhante que os reflexos de superfície, sendo em outras bastante difusa. A análise dos sinais refletidos pela camada indica propriedades que correspondem à água líquida. Os reflexos mais brilhantes centram-se a 193° E / 81° S, limitando uma zona de 20 km de largura. Créditos: NASA/Viking; NASA/JPL-Caltech/Arizona State University; ESA/NASA/JPL/ASI/Univ. Rome; R. Orosei et al 2018.

Mas o clima mudou significativamente ao longo dos 4,6 mil milhões de anos de história do planeta e a água líquida não pode hoje existir à superfície. Assim sendo, os cientistas viraram-se para o subsolo. Os primeiros resultados da sonda Mars Express, que está quase a cumprir 15 anos, tinham indicado a existência água gelada nos polos do planeta e também no subsolo, intercalada por camadas de poeira.

Há muito que se suspeitava da presença de água líquida na base das calotas polares; afinal, sabe-se, a partir de estudos na Terra, que o ponto de fusão da água diminui sob a pressão de um glaciar sobrejacente. Além disso, a presença de sais em Marte poderia reduzir ainda mais o ponto de fusão da água e manter a água líquida mesmo a temperaturas abaixo de zero.

Até há pouco, os dados do instrumento MARSIS (Mars Advanced Radar for Subsurface and Ionosphere Sounding instrument), o primeiro sonar de radar a orbitar outro planeta, eram inconclusivos. Porém, a persistência dos cientistas a trabalhar com este instrumento, levou a que fossem desenvolvidas novas técnicas que permitiram recolher o máximo possível de dados de alta resolução para que houvesse confirmação.

O radar de penetração do solo usa um método que envia pulsos para a superfície e determina o tempo que eles levam a ser refletidos para a sonda e com que intensidade. As propriedades da matéria existente pelo meio, e que os pulsos têm de atravessar, influenciam o sinal de retorno, o que permite mapear a topografia subsuperficial.

A investigação do radar mostra que, na área de 200 km de largura analisada neste estudo, a região polar sul de Marte é composta por várias camadas de gelo e poeira até uma profundidade de aproximadamente 1,5 km. Foi identificado um reflexo de radar particularmente brilhante abaixo dos depósitos em camadas, numa zona com 20 km de extensão.

Analisando as propriedades dos sinais de radar refletidos e considerando a composição dos depósitos em camadas e o perfil de temperatura esperado abaixo da superfície, os cientistas interpretam o brilho detetado como uma interface entre o gelo e um corpo de água líquida estável, que pode estar cheio de sedimentos salgados. Para que o MARSIS fosse capaz de a detetar, tal mancha de água precisaria de ter pelo menos várias dezenas de centímetros de espessura.

“Esta anomalia sob a superfície de Marte tem propriedades de radar que se ajustam a água ou sedimentos ricos em água”, disse Roberto Orosei, investigador principal do MARSIS e autor principal do artigo publicado a 25 de julho na revista Science.

“Esta é apenas uma pequena área de estudo; é empolgante pensar que pode haver, em outros lugares, e por descobrir, mais destas bolsas subterrâneas de água.”

“Durante anos, vimos algumas interessantes características de subsolo, mas não conseguimos reproduzir o resultado de órbita para órbita, porque anteriormente as taxas de amostragem e de resolução dos nossos dados eram muito baixas,” acrescentou Andrea Cicchetti, coautor do artigo.

“Tivemos de criar um novo modo de operar para contornar algum processamento interno e obter uma taxa de amostragem mais alta, melhorando assim a resolução do conjunto de dados: agora vemos coisas que não era possível ver antes.”

Mars Express.
Mars Express. Créditos: Spacecraft image credit: ESA/ATG medialab; Mars: ESA/DLR/FU Berlin, CC BY-SA 3.0 IGO.

A descoberta lembra um pouco a do Lago Vostok, na Terra, descoberto cerca de 4 km abaixo do gelo da Antártica. Sabe-se que algumas formas de vida microbiana prosperam em ambientes subglaciais da Terra, mas será que pode haver (ou ter havido) em Marte bolsas subterrâneas de água salgada e rica em sedimentos a fornecerem um habitat adequado? Se alguma vez existiu vida em Marte, é uma questão que permanece em aberto e que continuará a ser explorada pelas missões a Marte, atuais e futuras.

“A longa duração da Mars Express e o esforço exaustivo feito pela equipa de radar para superar os muitos desafios analíticos permitiram este resultado tão esperado, demonstrando que a missão ainda tem um grande potencial científico,” disse Dmitri Titov, cientista do projeto Mars Express, da ESA.

“Esta descoberta é muito importante para a ciência planetária e contribuirá para compreendermos melhor a evolução de Marte, a história da água neste planeta vizinho e a sua habitabilidade.”

Fonte da notícia: nota de imprensa ESA

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