A missão Gaia da ESA lançou o catálogo de estrelas mais completo até hoje produzido, que inclui medições de alta precisão de aproximadamente 1,7 mil milhões de estrelas e revela detalhes inéditos da nossa Galáxia. Neste trabalho estiveram envolvidos vários cientistas portugueses.

O céu do Gaia - Abril 2018.
O céu do Gaia a cores. As regiões mais claras indicam concentrações mais densas de estrelas especialmente brilhantes, enquanto que as mais escuras correspondem a manchas do céu onde se observam menos estrelas brilhantes. A representação colorida é obtida combinando a quantidade total de luz com a quantidade de luz azul e vermelha captada pelo Gaia em cada área do céu. Créditos: Gaia Data Processing and Analysis Consortium (DPAC); A. Moitinho/A. F. Silva/M. Barros/C. Barata, University of Lisbon, Portugal; H. Savietto, Fork Research, Portugal.
Mapas Gaia - Abril 2018.
Vista total da Via Láctea e das galáxias vizinhas pelo Gaia. Os mapas mostram o brilho total e a cor das estrelas (em cima), a densidade total de estrelas (a meio) e a poeira interestelar que preenche a galáxia (em baixo). Créditos: Gaia Data Processing and Analysis Consortium (DPAC); em cima e a meio: A. Moitinho/A. F. Silva/ M. Barros/C. Barata, University of Lisbon, Portugal; H. Savietto, Fork Research, Portugal; em baixo: Gaia Coordination Unit 8; M. Fouesneau/C. Bailer-Jones, Max Planck Institute for Astronomy, Heidelberg, Germany.

Após este tão aguardado lançamento, que tem por base 22 meses de mapeamento do céu, já se avistam muitas descobertas no horizonte. Os novos dados incluem posições, indicadores de distância e movimentos para mais de mil milhões de estrelas, bem como medições de alta precisão de asteroides dentro do Sistema Solar e estrelas para lá da Via Láctea.

A análise preliminar destes dados extraordinários revela pequenos pormenores sobre a composição da população estelar da Via Láctea e sobre como se movimentam as estrelas, informações essenciais para investigar a formação e evolução da nossa galáxia.

“As observações recolhidas pelo Gaia estão a redefinir os fundamentos da astronomia,” disse Günther Hasinger, Diretor Científico da ESA.  Acrescentando: “A missão Gaia é uma missão ambiciosa que depende de uma enorme colaboração humana para dar sentido a um grande volume de dados altamente complexos. Ajuda-nos a compreender a necessidade de projetos a longo prazo para garantir o progresso em ciência e tecnologia espaciais e para implementar missões científicas ainda mais ousadas nas próximas décadas.”

O satélite Gaia foi lançado em dezembro de 2013 e iniciou as suas operações no ano a seguir. Os primeiros dados, que tiveram por base pouco mais de um ano de observações, foram publicados em 2016 e continham as distâncias e movimentos de 2 milhões de estrelas.

Os novos dados, que cobrem o período compreendido entre 25 de julho de 2014 e 23 de maio de 2016, fixam as posições de quase 1,7 mil milhões de estrelas, e com uma precisão muito superior. Para algumas das estrelas mais brilhantes, o nível de precisão é equivalente a observadores na Terra serem capazes de identificar uma moeda de 1 euro na superfície da Lua.

Com estas medições tão precisas, é possível separar a paralaxe das estrelas (desvio aparente no céu provocado pela órbita da Terra em torno do Sol) dos seus movimentos reais na Galáxia. O novo catálogo lista a paralaxe e a velocidade no céu, ou o movimento próprio, para mais de 1,3 mil milhões de estrelas. A partir das medições de paralaxe mais precisas, cerca de 10% da totalidade, os astrónomos podem estimar diretamente as distâncias para as estrelas individuais.

“O segundo lançamento de dados do Gaia representa um enorme avanço em relação ao satélite Hipparcos da ESA, precursor do Gaia e primeira missão espacial para astrometria, que, há quase 30 anos, investigou cerca de 118 mil estrelas,” disse Anthony Brown, da Universidade de Leiden, Holanda. Anthony é o presidente do Executivo do Consórcio de Processamento e Análise de Dados Gaia, que supervisiona os cerca de 450 cientistas e engenheiros de software que estão envolvidos na criação do catálogo.

Anthony Brown acrescentou ainda: “O grande número de estrelas, com as suas posições e movimentos, já era suficiente para tornar surpreendente o novo catálogo de Gaia. Mas há mais: este catálogo científico único inclui muitos outros tipos de dados, com informações sobre as propriedades das estrelas e de outros objetos celestes, o que torna o seu lançamento algo verdadeiramente excecional.

Algo para todos

O conjunto de dados é muito abrangente, fornecendo uma ampla gama de tópicos à comunidade astronómica. Para além das posições, os dados incluem informações sobre o brilho de todas as estrelas investigadas, medições de cor para quase todas e ainda informações sobre como se alteram com o tempo o brilho e a cor de meio milhão de estrelas variáveis. Os dados contêm também as velocidades ao longo da linha de visão para um subconjunto de 7 milhões de estrelas, as temperaturas de superfície de cerca de 100 milhões de estrelas e o efeito da poeira interestelar em 87 milhões.

Há também dados sobre outros objetos do Sistema Solar, como as posições de mais de 14 mil asteroides conhecidos, o que permite a determinação precisa das suas órbitas. Em futuros lançamentos de dados Gaia, será compilada uma amostra muito maior de asteroides.

A missão foi mais longe ainda, obtendo as posições de meio milhão de quasares distantes, galáxias brilhantes acionadas pela atividade de buracos negros supermassivos nos seus núcleos. Estas fontes são usadas como referência para as coordenadas celestes de todos os objetos do catálogo Gaia, algo que habitualmente é feito em ondas de rádio, mas que agora, pela primeira vez, também está disponível em comprimentos de onda do visível.

Esperam-se grandes descobertas assim que os cientistas começarem a explorar todos estes novos dados. Um exame inicial, realizado pelo consórcio de dados para validar a qualidade do catálogo, revelou já algumas surpresas promissoras – incluindo novidades sobre a evolução das estrelas.

Gaia - escalas cósmicas.
Escalas cósmicas cobertas pelo segundo lançamento de dados de Gaia. Créditos: ESA, CC BY-SA 3.0 IGO.

 Arqueologia galáctica

“Os novos dados do Gaia são tão poderosos que já começamos a ver resultados empolgantes a surgir,” disse Antonella Vallenari, do Instituto Nacional de Astrofísica (INAF) e do Observatório Astronómico de Pádua, Itália, vice-presidente do conselho executivo do consórcio de processamento de dados. “Por exemplo, construímos o mais detalhado diagrama de Hertzsprung-Russell de estrelas para todo o céu, e podemos já identificar algumas tendências interessantes. Sentimos que estamos a inaugurar uma nova era da arqueologia galáctica.”

Diagrama H-R Gaia.
O diagrama de Hertzsprung-Russell do Gaia. Crédito: ESA/Gaia/DPAC.

O diagrama de Hertzsprung-Russell compara o brilho intrínseco das estrelas com a sua cor, e é uma ferramenta fundamental para estudar as populações de estrelas e a sua evolução.

A nova versão deste diagrama, com base em 4 milhões de estrelas selecionadas do catálogo Gaia e compreendidas numa distância de 5 mil anos-luz do Sol, revela muitos detalhes inéditos. Entre eles, a assinatura de diferentes tipos de anãs brancas (o que restou de estrelas como o Sol que já morreram), de tal forma que pode ser feita uma diferenciação entre as que possuem núcleos ricos em hidrogénio e as que são dominadas por hélio.

Em combinação com as medições Gaia das velocidades das estrelas, o diagrama permite distinguir várias populações de estrelas de diversas idades, localizadas em distintas regiões da Via Láctea, como o disco e o halo, e que se formaram de maneira diferente. Estudos adicionais sugerem que as estrelas que se movem rapidamente e que se julga pertencerem ao halo compreendem duas populações estelares que tiveram origem em dois diferentes cenários de formação, mas serão necessárias investigações ainda mais detalhada

“A missão Gaia vai ajudar-nos imenso a compreender o Universo em todas as escalas cósmicas,” disse Timo Prusti, cientista do projeto Gaia da ESA. “Mesmo na vizinhança do Sol, que é a região que acreditamos conhecer melhor, o Gaia está a revelar novidades muito estimulantes.”

 

 

A Galáxia em 3D

O Gaia mediu velocidades nas três dimensões para um subconjunto de estrelas, compreendido numa distância de alguns milhares de anos-luz do Sol, revelando padrões nos movimentos das estrelas que orbitam a Galáxia em velocidades equivalentes. Os estudos futuros confirmarão se esses padrões estão ligados a perturbações produzidas pela barra galáctica (uma concentração mais densa de estrelas no centro da Galáxia que forma uma barra alongada), pela arquitetura dos braços em espiral, ou pela interação com galáxias mais pequenas que se fundiram com a Via Láctea há milhares de milhões de anos.

É também possível ver os movimentos das estrelas dentro de alguns enxames globulares (velhos sistemas de estrelas unidos pela gravidade que se encontram no halo da Via Láctea) e dentro das galáxias vizinhas, a Pequena e a Grande Nuvem de Magalhães.

Os dados Gaia foram utilizados para determinar as órbitas de 75 enxames globulares e 12 galáxias anãs que giram em torno da Via Láctea, fornecendo informações importantíssimas para o estudo da evolução que ela sofreu no passado e do seu ambiente, bem como das forças gravitacionais que estão em jogo e da distribuição da matéria escura elusiva que permeia a Galáxia.

“A missão Gaia é a astronomia no seu melhor,” disse Fred Jansen, diretor da missão na ESA. “Os cientistas vão estar ocupados com estes dados durante muitos anos, e estamos prontos para a avalanche de descobertas surpreendentes que irão desvendar os segredos da nossa galáxia.”

Da equipa da Missão Gaia fazem parte oito cientistas portugueses, entre eles: André Moitinho de Almeida, do Centro de Astrofísica e Gravitação da Universidade de Lisboa, que coordena o grupo português da missão.

O contributo português centrou-se na criação de sistemas de pesquisa e de visualização de dados, como explicou André Almeida ao jornal Público: “O nosso grande esforço tem sido posto no desenvolvimento de uma plataforma que permita aos utilizadores comuns, com os seus computadores e dispositivos móveis, visualizar interativamente – e, portanto, explorar – o conjunto completo dos dados.” E acrescentou: “Este trabalho resultou no serviço de visualização oferecido na página Web da ESA, onde se acede ao arquivo. Foi totalmente concebido e criado no meu grupo e, até onde temos conhecimento, é o único no mundo em que qualquer utilizador pode fazer visual analytics do que se tem vindo a chamar Big Data.”

Fontes da notícia: ESA, Público.

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