Os astrónomos estão mais uma vez no escuro em relação ao que pode ser a matéria escura, após novas observações terem mostrado que tal substância misteriosa pode não estar a interagir com outras forças para além da gravidade. Andrew Robertson, da Universidade de Durham, apresenta hoje (sexta-feira, 6 de abril) estes novos resultados, na Semana Europeia de Astronomia e Ciências Espaciais, em Liverpool.

Enxame de galáxias Abell 3827
Imagem de campo largo no visível do enxame de galáxias Abell 3827. Crédito: ESO.

Há tês anos, uma equipa internacional de investigadores, liderada pela Universidade de Durham, acreditou ter feito uma grande descoberta no sentido de compreende o que é a matéria escura.

Com efeito, observações realizadas com o Telescópio Espacial Hubble pareciam mostrar que uma galáxia do enxame Abell 3827 – a aproximadamente 1,3 mil milhões de anos-luz da Terra – se tinha separado da matéria escura que a rodeava.

 Coração do enxame Abell 3827 - Hubble.
Imagem do Telescópio Espacial Hubble das quatro galáxias gigantes no coração do enxame Abell 3827. Uma exposição de quase 3 horas mostra a imagem, em comprimentos de onda do visível e do infravermelho próximo, usada no estudo original de 2015. A imagem distorcida de uma galáxia mais distante, atrás do enxame e envolvendo as quatro galáxias, é ligeiramente visível. Crédito: NASA/ESA/Richard Massey (Durham University).

Se a matéria escura interagir com outras forças para além da gravidade, durante a ocorrência de colisões, prevê-se um desvio deste tipo, o que poderia vir a fornecer indicações sobre a natureza da substância. A orientação do enxame Abell 3827, quando visto da Terra, torna possível a realização de medições altamente sensíveis da sua matéria escura.

No entanto, o mesmo grupo de astrónomos tem agora novos dados, obtidos em observações mais recentes, que mostram que a matéria escura no enxame Abell 3827 não se separou afinal da galáxia. A medição bate certo com a hipótese de a matéria escura estar apenas a sentir os efeitos da força da gravidade.

Coração do enxame Abell 3827 - Hubble e ALMA.
Vista das quatro galáxias centrais no coração do enxame Abell 3827, numa ampla gama de comprimentos de onda, incluindo imagens do Telescópio Espacial Hubble no ultravioleta (azul), e imagens do ALMA em comprimentos de onda muito longos, submilimétricos (linhas vermelhas). Nestes comprimentos de onda, o enxame em primeiro plano torna-se quase transparente, permitindo que a galáxia de fundo seja observada com maior nitidez. É agora mais fácil identificar como a galáxia em segundo plano foi distorcida. Crédito: NASA/ESA/Richard Massey (Durham University).

Richard Massey, do Centro de Astronomia Extragalática da Universidade de Durham, principal autor do estudo, comentou: “A procura de matéria escura é frustrante, mas isto é ciência: quando os dados melhoram, as conclusões podem ter de ser alteradas. Entretanto, a busca prossegue com o objetivo de podermos revelar a sua natureza. E uma vez que a matéria escura não parece interagir com o Universo à sua volta, continuamos a ter dificuldade em descobrir o que é.”

A matéria escura compõe cerca de 27% do Universo, e o resto é em grande parte energia escura, igualmente misteriosa. A matéria normal, que forma os planetas e as estrelas, representa apenas 5%. Havendo cerca de cinco vezes mais matéria escura do que toda a quantidade de partículas conhecidas pela ciência, ninguém sabe o que é. No entanto, é um fator essencial para percebermos o Universo tal como o conseguimos observar, pois, sem o efeito da gravidade extra, as galáxias como a Via Láctea não se manteriam coesas ao girar.

Neste estudo, para observarem o enxame Abell 3827, os investigadores usaram o ALMA (Atacama Large Millimeter Array), no Chile. O ALMA detetou a luz infravermelha distorcida de uma galáxia de fundo não relacionada, revelando a localização da matéria escura, de outra forma invisível, que ficou por identificar no estudo anterior.

“Usando o ALMA, conseguimos observar com maior resolução a galáxia distante do que com o Telescópio Espacial Hubble,” disse Liliya Williams, da Universidade de Minnesota, coautora do estudo, acrescentando: “a verdadeira localização da matéria escura tornou-se mais precisa em relação às observações anteriores.”

Embora os novos resultados mostrem que a matéria escura permanece ligada à sua galáxia, os investigadores considerem que isto não tem de significar necessariamente que a matéria escura não interaja. A matéria escura pode estar a interagir muito pouco, ou então esta galáxia pode estar a move-se na nossa direção, pelo que não esperamos ver a sua matéria escura deslocada para os lados.

Nos últimos dois anos, foram propostas várias teorias alternativas sobre a matéria escura e muitas foram simuladas na Universidade de Durham usando supercomputadores de alta potência.

Simulação em supercomputador de uma colisão entre dois enxames de galáxias, semelhantes ao objeto real conhecido como “Bullet Cluster”, mostrando os mesmos efeitos testados em Abell 3827. Todos os enxames de galáxias contêm estrelas (laranja), gás/hidrogénio (vermelho) e matéria escura invisível (azul). As estrelas e as galáxias individuais estão tão distantes que passam umas pelas outras. O gás difuso desacelera e separa-se das galáxias, devido às forças entre as partículas de matéria comum que provocam fricção. Se a matéria escura sentir apenas a força da gravidade, deverá permanecer no mesmo lugar que as estrelas, mas se sentir outras forças, a sua trajetória através deste gigantesco acelerador de partículas será alterada. Crédito: Andrew Robertson/Institute for Computational Cosmology/Durham University.

 

Simulação da mesma colisão no caso de a matéria escura consistir em partículas muito interativas que sentem outras forças além da gravidade. A distribuição de matéria escura e gás resultante não condiz com o que é observado no Universo real – de facto, neste caso a interação é tão forte que a matéria escura pára perto do ponto de impacto. Como isto não se observa no Universo real, podemos descartar este modelo. Crédito: Andrew Robertson/Institute for Computational Cosmology/Durham University.

 

Simulação da mesma colisão se a matéria escura não existisse. A distribuição resultante de estrelas e gás não condiz com o que é observado no Universo real, o que sugere que a matéria escura está presente no Universo. Crédito: Andrew Robertson/Institute for Computational Cosmology/Durham University.

Robertson, do Instituto de Cosmologia Computacional da Universidade de Durham, coautor do estudo, acrescentou: “As diferentes propriedades da matéria escura deixam sinais indicadores. Continuaremos à espera que a natureza faça a experiência que precisamos e que a possamos observar a partir do ângulo certo. Um teste especialmente interessante é que as interações da matéria escura tornam os enxames de matéria escura mais esféricos. É o que vamos procurar a seguir.”

Para medir a matéria escura em centenas de enxames de galáxias e prosseguir com esta investigação, a Universidade de Durham ajudou a construir o novo telescópio SuperBIT, que se eleva acima da atmosfera da Terra com a ajuda de um balão gigante de hélio, para melhorar a qualidade das observações.

Esta investigação foi financiada pela Royal Society e pelo Science and Technology Facilities Council, no Reino Unido e na NASA. As descobertas surgem num artigo da revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

 

Fonte da notícia: RASDurham University

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