Em 2012, o astrónomo Ed Shaya estava a olhar para dados do Telescópio Espacial Kepler, da NASA, quando percebeu algo estranho: o brilho de uma galáxia tinha subitamente aumentado em 10%. Este repentino aumento na luminosidade deixou Shaya entusiasmado e nervoso ao mesmo tempo. O efeito podia ser explicado pela explosão de uma estrela – uma supernova – mas também por um erro de computador.

“Lembro-me de não saber no que deveria acreditar,” contou ele, acrescentando que, naquele dia, em vez de celebrar, questionava-se: “terei cometido um erro? Estarei a fazer tudo mal?”

Supernova FELT.
O novo estudo descreve o mais extremo exemplo conhecido de uma supernova FELT (fast-evolving luminous transient). Crédito: NASA/JPL-Caltech.

As explosões estelares fabricam e distribuem a matéria que compõe o Universo, e além disso dão-nos pistas sobre a rapidez com que o Universo se está a expandir. Compreendendo as supernovas, os cientistas podem desvendar mistérios que são fundamentais para sabermos de que somos feitos e qual será o destino do nosso universo. Mas para terem uma imagem completa de todo o processo, os cientistas devem observar supernovas a partir de várias perspetivas, em especial, durante os primeiros momentos da explosão. Ora isto é muito difícil – não há forma de se saber quando ou onde uma supernova vai surgir.

Esta animação mostra um tipo de explosão estelar chamada FELT (fast-evolving luminous transient – transitória luminosa de rápida evolução). Neste caso, uma estrela gigante expele uma camada de gás e poeira cerca de um ano antes de explodir. A maior parte da energia da supernova transforma-se em luz quando atinge este material previamente ejetado, resultando numa explosão curta, mas brilhante. Créditos: NASA/JPL-Caltech.

Um pequeno grupo de astrónomos, do qual Shaya faz parte, percebeu que o Kepler poderia oferecer uma nova técnica de caçar supernovas. Lançado em 2009, o Kepler é mais conhecido por ter descoberto milhares de exoplanetas. Mas como este telescópio observa áreas determinadas do espaço durante longos períodos de tempo, tem a possibilidade de captar outros tesouros cósmicos – especialmente fenómenos de curta duração, que aparecem e desaparecem depressa, como as supernovas.

“O Kepler deu origem a uma nova forma de ver o céu,” disse Jessie Dotson, cientista do projeto Kepler no Ames Research Center da NASA, em Silicon Valley, Califórnia. “Foi projetado para encontrar planetas em torno de outras estrelas, e para isso tem de fornecer continuamente dados de alta precisão, que são muito valiosos para outras áreas da astronomia.”

Shaya e a sua equipa estavam inicialmente à procura de núcleos galácticos ativos nos dados do Kepler. Um núcleo galáctico ativo é uma área extremamente brilhante no centro de uma galáxia onde um buraco negro voraz se encontra rodeado por um disco de gás quente. A equipa até pensou em procurar supernovas, mas como as supernovas são eventos tão raros, não mencionaram essa hipótese na sua proposta. “Era muito incerto,” afirmou Shaya.

Não estando certo de que o sinal de supernova que encontrara era real, Shaya, juntamente com o seu colega Robert Olling, da Universidade de Maryland, passou meses a desenvolver software para calibrar melhor os dados do Kepler, levando em conta variações de temperatura e a orientação precisa do instrumento. Mesmo assim, o sinal da supernova persistia. De facto, encontraram mais cinco supernovas na amostra de mais de 400 galáxias do Kepler. Quando Olling mostrou um dos sinais a Armin Rest, agora astrónomo no Space Telescope Science Institute, em Baltlimore, este ficou boquiaberto. Abrira-se uma porta para uma nova forma de investigar e compreender as explosões estelares.

Hoje, estes astrónomos fazem parte do Levantamento Extragaláctico do Kepler, uma colaboração entre sete cientistas, dos Estados Unidos, Austrália e Chile, que procuram supernovas e núcleos galácticos ativos para explorar a física do nosso universo. Até ao momento, a equipa descobriu mais de 20 supernovas usando dados do Kepler, incluindo um tipo exótico de supernova que é referido por Rest num novo estudo publicado na Nature Astronomy.

“Temos algumas das mais bem compreendidas supernovas,” disse Brad Tucker, astrónomo no Observatório Mt. Stromlo, da Universidade Nacional da Austrália, que faz parte da equipa do Levantamento.

Esta animação mostra a explosão de uma anã branca, o remanescente extremamente denso de uma estrela que não consegue queimar mais combustível no seu núcleo. Nesta supernova de tipo “Ia”, a gravidade da anã branca rouba material a uma estrela companheira próxima. Quando a anã branca atinge cerca de 1,4 vezes a massa do Sol, não consegue suportar o seu próprio peso e explode. Créditos: NASA/JPL-Caltech.

Por que nos preocupamos com as supernovas?

Uma supernova de “tipo Ia” acontece quando uma estrela densa morta, uma anã branca, explode. É um tipo de supernova especial porque o brilho intrínseco é quase o mesmo para todos os casos. Os astrónomos usaram esta propriedade padrão para medir a expansão do Universo e descobriram que as supernovas mais distantes são menos brilhantes do que se esperava. Isto indica que elas estão mais distantes do que se pensava, à medida que a luz se foi alongando no espaço em expansão, provando que o Universo se está a expandir a ritmo acelerado. Os investigadores responsáveis por esta descoberta receberam o Prémio Nobel em 2011. A principal teoria sugere que uma força misteriosa, chamada “energia escura”, está a afastar tudo o que existe no Universo, e cada vez mais depressa.

Mas à medida que os astrónomos foram descobrindo mais e mais explosões do tipo Ia, perceberam que nem todas são geradas da mesma forma. Enquanto algumas acontecem quando uma anã branca rouba grandes quantidades de matéria a uma estrela companheira, outras são resultado da fusão de duas anãs brancas. De facto, as fusões de anãs brancas podem até ser mais comuns. Futuras investigações de supernovas, com o Kepler, irão ajudar os astrónomos a descobrir se os diferentes mecanismos que geram supernovas de tipo Ia resultam em diferenças de brilho entre elas – o que, a verificar-se, irá pôr em causa a forma como estas supernovas são usadas para medir a expansão do Universo.

“Para melhor podermos circunscrever a energia escura, temos de perceber melhor como se formam as supernovas de tipo Ia,” disse Rest.

Esta animação mostra a fusão de duas anãs brancas. Outra maneira de uma supernova de “tipo Ia” ocorrer. Créditos: NASA/JPL-Caltech.

Um outro tipo de supernova acontece quando uma estrela gigantesca se aproxima da fase final da sua vida e não consegue suportar as forças gravitacionais, acabando por colapsar sobre si própria numa explosão. Estas supernovas de “colapso do núcleo” incluem as supernovas de “tipo II” e têm uma onda de choque característica que foi captada pela primeira vez em luz visível pelo Kepler. A equipa do Levantamento Extragaláctico do Kepler, liderada por Peter Garnavich, professor de Astrofísica da Universidade de Notre Dame, em Indiana, observou essa onda de choque em dados de 2011 da supernova KSN 2011d, a explosão de uma estrela com aproximadamente 500 vezes o tamanho do Sol. Surpreendentemente, a equipa não descobriu a onda de choque numa supernova de tipo II mais pequena, KSN 2011a, cuja estrela tinha 300 vezes o tamanho do Sol – mas, em contrapartida, descobriu a supernova aninhada numa camada de poeira, o que sugere que também há diversidade nas explosões estelares de tipo II.

Os dados do Kepler revelaram outros mistérios sobre supernovas. O novo estudo, publicado na Nature Astronomy e liderado por Rest, descreve, a partir de dados obtidos pela missão a K2 (prolongamento da missão Kepler), uma supernova que atinge o pico de brilho em pouco mais de dois dias, um tempo cerca de 10 vezes inferior ao normal. É o mais extremo exemplo conhecido de uma supernova FELT (fast-evolving luminous transient – transitória luminosa de rápida evolução). As FELTs são tão brilhantes como as supernovas de tipo Ia, mas aumentam de brilho em menos de 10 dias e desaparecem em cerca de 30. É possível que a estrela tenha expelido uma densa camada de gás aproximadamente um ano antes da explosão e que, quando a supernova surgiu, o material ejetado tenha atingido a camada de gás. A energia libertada numa tal colisão explicaria o rápido aumento do brilho.

Porquê o Kepler?

Os telescópios na Terra fornecem muitas informações sobre explosões de estrelas, mas apenas em curtos períodos de tempo – e apenas depois do Sol se pôr e se o céu estiver limpo – por isso é difícil documentar o que acontece “antes” e “depois” das explosões. Por seu lado, o Kepler dá aos astrónomos a rara oportunidade de monitorizarem continuamente determinadas áreas do céu, ao longo de meses. De facto, a missão principal do Kepler, que durou de 2009 a 2013, forneceu quatro anos de observações no mesmo campo de visão, obtendo uma imagem a cada 30 minutos. Na missão estendida, K2, o telescópio mantém o seu olhar fixo numa área durante cerca de três meses.

Esta animação mostra uma estrela gigante a explodir numa supernova de “colapso do núcleo”. Na fase final da vida, a estrela não suporta mais o seu próprio peso. A gravidade faz a estrela colapsar sobre si própria. As supernovas de colapso do núcleo são de tipo Ib, Ic ou II, dependendo dos elementos químicos presentes. Créditos: NASA/JPL-Caltech.

Com os telescópios terrestres, os astrónomos podem ver a cor da supernova e a sua alteração no tempo, o que permite saber que elementos químicos estão presentes na explosão. A composição da supernova ajuda a determinar o tipo de estrela que explodiu. O Kepler, no entanto, consegue revelar como e porque razão a estrela explode, bem como os detalhes da progressão da explosão. Usando estes dois conjuntos de dados, os astrónomos podem obter imagens muito mais completas do comportamento das supernovas.

Os cientistas da missão Kepler recuperaram o telescópio em 2013 depois de ter sofrido problemas. Na configuração da missão de prolongamento K2, o telescópio precisa de rodar de três em três meses – definindo as “campanhas” de observação. Para a equipa do Levantamento Extragaláctico, na missão do K2, além de exoplanetas o Kepler ainda podia monitorizar supernovas e outros objetos exóticos distantes.

As possibilidades eram tão empolgantes que a equipa do Kepler criou duas campanhas de observação para a missão K2, especialmente úteis para coordenar estudos de supernovas com os telescópios terrestres. A campanha 16, que começou a 7 de dezembro de 2017 e terminou a 25 de fevereiro de 2018, incluiu 9000 galáxias. Há cerca de 14000 na campanha 17 que acabou de começar. Em ambas as campanhas, o Kepler é orientado de modo a que os observadores no solo possam ver a mesma área de céu que o telescópio espacial. As campanhas entusiasmaram a comunidade de investigadores que pode assim aproveitar esta rara coordenação entre o Kepler e os telescópios no solo.

Já este ano, o levantamento ASASSN (All Sky Automated Survey for SuperNovae) indicou uma supernova numa galáxia vizinha, a mesma que o Kepler estava a monitorizar. Este é apenas um dos muitos eventos candidatos que os cientistas acompanham com entusiamo e que talvez ajudem a compreender melhor os segredos do Universo.

Mais supernovas poderão vir do levantamento TESS (Transiting Exoplanet Survey Satellite). da NASA, que deverá ser lançado a 16 de abril. Entretanto, os cientistas irão ter muito trabalho pela frente assim que receberem o conjunto de dados completo das campanhas de supernovas da K2.

“Teremos uma enorme riqueza de informações sobre supernovas nos próximos anos,” disse Tucker.

Fonte da notícia: NASA

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