Os astrónomos investigaram uma pequena população de estrelas no halo da Via Láctea, descobrindo que a sua composição química se aproxima da do disco galáctico. Esta semelhança é uma prova convincente de que estas estrelas tiveram origem dentro do disco, e não nas galáxias anãs que se fundiram com a Via Láctea. Calcula-se que o motivo para esta migração estelar tenham sido oscilações do disco da Via Láctea como um todo, induzidas pela interação de maré da Via Láctea com uma galáxia satélite massiva de passagem, e que são propostas pela teoria.

Interação de maré de galáxia anã com a Via Láctea.
A Via Láctea perturbada pela interação de maré com uma galáxia anã, tal como previsto pelas simulações N-body. Estão indicadas as localizações das estrelas observadas acima e abaixo do disco que são usadas para testar o cenário da perturbação. Créditos: T.Mueller/NASA/JPL-Caltech.

Se alguém do espaço exterior nos quisesse contactar via “correio espacial”, o nosso endereço cósmico incluiria várias linhas, como “Terra”, “Sistema Solar”, “Braço Espiral de Oríon” e “Via Láctea”. Esta posição dentro da nossa galáxia é ideal para explorarmos o que está a acontecer.

No entanto, a nossa perspetiva interna apresenta alguns desafios na missão de compreendermos a Galáxia – por exemplo, quando queremos delinear a sua forma e extensão. E outro dos problemas é o tempo: como podemos interpretar a evolução galáctica se a nossa vida (e a dos nossos telescópios) não dura mais que um piscar de olhos cósmico?

Hoje, temos uma imagem bastante clara do conjunto das propriedades da Via Láctea e de como ela se encaixa entre as outras galáxias no Universo. Os astrónomos classificam-na como uma grande galáxia espiral típica, com a maioria das estrelas dentro de um disco e a circundar o centro galáctico, e estrelas para lá dessas a orbitar no halo galáctico.

As estrelas do halo parecem não estar distribuídas aleatoriamente, muitas estão agrupadas em estruturas gigantes – fluxos e nuvens imensas, com grandes densidades de estrelas, algumas a cercar totalmente a Via Láctea. Essas estruturas foram interpretadas como sinais de um passado violento – detritos da rutura gravitacional das muitas galáxias mais pequenas que se calcula terem invadido a nossa Galáxia no passado.

Os investigadores têm procurado saber mais sobre esta história violenta da Via Láctea, observando as propriedades das estrelas nos restos deixados para trás – as suas posições e movimentos podem dar-nos pistas sobre o percurso original das galáxias invasoras, enquanto que os tipos de estrelas que contêm e as suas composições químicas nos podem dizer algo sobre o aspeto original dessas mesmas galáxias.

Uma equipa internacional de astrónomos liderada pela Dra. Maria Bergemann do Instituto Max Planck de Astronomia, em Heidelberg, descobriu provas convincentes de que algumas dessas estruturas do halo podem não ser restos de galáxias invasoras, podendo ter tido origem no próprio disco da Via Láctea.

A equipa investigou 14 estrelas localizadas em duas estruturas diferentes no halo galáctico, Tri-E (Triangulum-Andromeda) e A13 (região estelar altamente densa), que se situam em lados opostos do plano do disco galáctico. Estudos anteriores do movimento dessas duas estruturas difusas tinham revelado que elas estão cinematicamente associadas e podem estar relacionadas com o Monoceros Ring, uma estrutura semelhante a um anel que gira em torno da Galáxia. No entanto, a natureza e a origem das duas estruturas não chegou a ser clarificada de forma conclusiva. A posição das duas regiões estelares densas podia ser determinada já que cada uma se encontra a cerca de 5 kiloparsec (14000 anos-luz) acima e abaixo do plano galáctico, como se vê na figura (ver imagem).

Bergemann e a sua equipa apresentaram, pela primeira vez, padrões detalhados das abundâncias químicas dessas estrelas, obtidos com espectros de alta resolução, com a ajuda dos telescópios Keck e VLT (Very Large Telescope, ESO). “A análise das abundâncias químicas é um teste muito poderoso, que permite, de forma semelhante à correspondência de DNA, identificar a população de origem da estrela. Sabe-se que as diferentes populações de origem, como as do disco da Via Láctea ou do halo, galáxias anãs satélite ou enxames globulares, têm composições químicas radicalmente diferentes. Assim, sabendo a composição das estrelas, é possível ligá-las imediatamente às suas populações originais,” explicou Bergemann.

Ao comparar as composições químicas dessas estrelas com as encontradas em outras estruturas cósmicas, os cientistas ficaram surpreendidos por descobrir que são quase idênticas, tanto dentro dos grupos como entre eles, e que se aproximam aos padrões de abundância das estrelas do disco da Via Láctea. Obtiveram assim provas de que estas estrelas terão tido muito provavelmente origem no fino disco galáctico (a parte mais jovem da Via Láctea, que se concentra em direção ao plano Galáctico), não sendo por isso remanescentes de galáxias invasoras.

Mas como atingiram as estrelas essas posições extremas acima e abaixo do disco galáctico? Os cálculos teóricos da evolução da Via Láctea preveem que isto aconteça, com as estrelas a serem deslocadas em grandes distâncias verticais a partir do seu local de nascimento no plano do disco. Esta “migração” de estrelas é explicada teoricamente pelas oscilações do disco como um todo. A melhor explicação para as oscilações é a interação de maré do halo de Matéria Negra da Via Láctea e o seu disco com uma galáxia satélite massiva de passagem.

Os resultados publicados por Bergman e a sua equipa na revista Nature são a mais clara evidência obtida até agora para estas oscilações do disco da Via Láctea.

São descobertas emocionantes, pois indicam que o disco da Via Láctea e as suas dinâmicas são significativamente mais complexos do que se pensava. “Mostrámos que pode ser bastante comum que os grupos de estrelas no disco sejam deslocados para locais mais distantes dentro da Galáxia – tendo sido ‘expulsos’ por uma galáxia satélite invasora. Poderão também ser encontrados padrões químicos semelhantes em outras galáxias – indicando a potencial universalidade galáctica deste processo dinâmico” disse Allyson Sheffield, professora associada de física no LaGuardia Community College/CUNY e coautora do estudo.

O próximo passo será analisar os espectros de outras estrelas, tanto nas duas zonas altamente densas, como em outras estruturas estelares mais distantes do disco. Os investigadores vão também tentar determinar as massas e as idades dessas estrelas para restringir os limites de tempo em que ocorreu essa interação entre a Via Láctea e a galáxia anã.

“Antecipamos que as pesquisas a decorrer e as futuras, como a 4MOST e a Gaia, nos darão informações únicas sobre a composição química e a cinemática das estrelas nessas regiões. As duas estruturas que analisámos já estão, segundo a nossa interpretação, associadas a oscilações em grande escala do disco, induzidas por uma interação da Via Láctea com uma galáxia anã. A Gaia pode ter o potencial de ver a ligação entre as duas estruturas, mostrando o padrão completo das ondulações no disco galáctico,” concluiu Bergemann.

Fonte da notícia: Phys.org

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